Bolsonaro cita discurso da OMS mas omite referência ao papel dos Governos
O Presidente brasileiro citou hoje parte de um discurso do diretor da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre a necessidade de sustento financeiro de determinadas populações durante a pandemia, omitindo, contudo, a referência ao papel dos Governos nessa assistência.
Segundo o Presidente Jair Bolsonaro, o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, “disse praticamente” que os trabalhadores informais [sem contrato de trabalho] “têm que trabalhar” durante a pandemia do novo coronavírus, na mesma linha do que o próprio chefe de Estado tem defendido.
“Vocês viram que o diretor da OMS, falou? Viram aí? O que ele disse praticamente (...) é que os informais têm que trabalhar”, afirmou hoje Bolsonaro, em Brasília, dirigindo-se a um grupo de apoiantes que se aglomeraram para falar com o Presidente.
O diretor-geral da OMS disse na segunda-feira, no discurso que viria a ser citado por Bolsonaro, estar preocupado com as pessoas que “precisam de trabalhar para ganhar o pão de cada dia”.
“Sou de África e sei que muita gente precisa trabalhar cada dia para ganhar o seu pão. E os Governos devem levar essa população em conta. Se estamos a limitar os movimentos, o que é que vai acontecer com essas pessoas que precisam trabalhar diariamente? Cada país deve responder a essa questão (...) Cada indivíduo importa e temos que levar em conta como cada indivíduo é afetado pelas nossas ações”, disse Tedros Adhanom Ghebreyesus.
Contudo, Bolsonaro não mencionou a parte do discurso em que Tedros afirma que os Governos de todo o mundo precisam de garantir assistência às populações mais vulneráveis.
“Entendemos que muitos países estão a implementar medidas que restringem a movimentação das pessoas. Ao implementar essas medidas, é vital respeitar a dignidade e o bem-estar de todos. É também importante que os Governos mantenham a população informada sobre a duração prevista dessas medidas, e que dê suporte aos mais velhos, aos refugiados, e a outros grupos vulneráveis”, afirmou Tedros no seu discurso.
“Os Governos precisam garantir o bem-estar das pessoas que perderam a fonte de rendimento e que estão a necessitar desesperadamente de alimentos, saneamento e outros serviços essenciais. Os países devem trabalhar de mãos dadas com as comunidades para construir confiança e apoiar a resistência e a saúde mental”, acrescentou o diretor-geral da OMS.
Segundo Bolsonaro, que é um forte crítico do isolamento social como medida preventiva face ao novo coronavírus e que tem defendido publicamente o regresso ao trabalho dos brasileiros, Tedros Adhanom Ghebreyesus “estava um pouco constrangido, mas falou a verdade”. “Eu achei excecional a palavra dele”, frisou o mandatário, citado pela imprensa local.
Em mensagens publicadas na rede social Twitter, Tedros voltou a explicar a sua posição sobre o tema, apelando à proteção das populações pobres por partes dos executivos.
“As pessoas sem rendimentos regulares ou qualquer colchão financeiro merecem políticas sociais que lhes garantam dignidade e lhes permitam cumprir as medidas de saúde pública. Eu cresci pobre e entendo essa realidade. Exorto os países a desenvolverem políticas que forneçam proteção económica para pessoas que não podem ganhar ou trabalhar no momento da pandemia da covid-19”, escreveu o diretor-geral da OMS.
Questionada pela rede Globo, a OMS negou ser contrária a medidas de isolamento social, como Bolsonaro tentou associar.
O Brasil ultrapassou hoje a barreira dos 200 mortos pelo novo coronavírus, tendo registado, até ao momento, 201 óbitos e 5.717 infetados, anunciou o Governo brasileiro, acrescentando que foram confirmados 1.138 casos positivos nas últimas 24 horas.
O novo coronavírus, responsável pela pandemia da covid-19, já infetou mais de 828 mil pessoas em todo o mundo, das quais morreram mais de 41 mil. Dos casos de infeção, pelo menos 165 mil são considerados curados.