Estudante consegue chegar à Madeira depois de ter “visto o terror” em Brescia
A estudante madeirense Jéssica Agrela diz ter vivido o “terror” em Brescia, na região da Lombardia, em Itália, onde a pandemia covid-19 mais se faz sentir, quer em casos positivos, quer em número de mortos.
Jéssica Agrela, de 21 anos de idade, natural da freguesia do Arco-da-Calheta, na Calheta, regressou na terça-feira à Madeira depois de 33 dias de isolamento social com a amiga Francisca Abreu, de 20 anos, também da ilha, mas de Câmara de Lobos, e juntas protagonizaram uma “odisseia” para sair de Itália em pleno estado de emergência.
Estas estudantes madeirenses estão a tirar a licenciatura em violino e bandolim no Conservatório Luca Marenzio, em Brescia, província da região da Lombardia, no norte de Itália, onde, segundo as estatística do Ministério da Saúde italiano, na terça-feira existiam 43 mil casos positivos.
A província de Brescia, com mais de oito mil casos, é a terceira zona mais contagiada daquela região.
Sem família por perto, as jovens ficaram fechadas em casa, com medo de ir à rua e a ouvir constantemente as sirenes das ambulâncias que passavam.
“Eu estou no primeiro ano da licenciatura e a Francisca no segundo, vivíamos em casas diferentes, a cerca de 20 minutos da escola e, até meados de fevereiro, as coisas estavam a correr bem até aparecerem os primeiros casos e o subsequente estado de emergência, com as quarentenas obrigatórias”, contou Jéssica Agrela à Lusa.
“A escola fechou, passámos a ter aulas através de uma plataforma digital e nós resolvemos juntar-nos já que os nossos amigos e amigas italianos resolveram dirigir-se para o sul, onde, na altura, a situação não era tão problemática. Fizemos compras para evitar sair de casa, voltamos a fazê-las a 11 de março e, depois, nunca mais saímos a não ser para apanhar o comboio já por ocasião do processo de regresso a Portugal”, acrescentou.
No início, as jovens tentaram entreter-se por casa, uma vez que “a escola ia prorrogando a abertura semana a semana”.
“Como tínhamos exames marcados, fomos ficando por lá”, mas a situação “foi ficando mais difícil” e as madeirenses decidiram meter mãos à obra e tentar regressar a casa.
Jéssica disse à Lusa que os próprios “professores também as aconselharam a partir porque a situação estava a ficar cada vez pior”.
Primeiro recorreram à Embaixada de Portugal em Roma, que as reencaminhou para a linha de apoio à covid-19. Depois recorreram à Direção Geral do Ensino Superior, que transmitiu o seu pedido ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, que as contactou em 18 de março, informando-as que já constavam de uma lista para repatriamento.
Uma semana depois, foram novamente contactadas pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros para as informar que lhes tinham arranjado uma passagem aérea Roma-Londres-Lisboa.
“Arranjaram-nos a viagem, acho que foi um milagre”, disse Jéssica Agrela.
A “epopeia”, contudo, não se ficou por ali: Ponderada a hipótese de táxi para irem até Roma, esta foi logo eliminada por ser “muito caro”. Então decidiram apanhar um comboio de Brescia até Bolonha, fazendo escala em Milão.
“Em Bolonha passámos uma noite na estação e em Roma tivemos de ir de táxi para o aeroporto porque os comboios já estavam cancelados. Passámos uma segunda noite em claro só que, desta vez, na companhia de outros estudantes Erasmo”, referiu.
“Depois apanhámos o voo para Londres e outro para Lisboa, que correram bem”, afirmou.
Jéssica diz que em Roma foi-lhes medida a febre e não autorizavam embarcar sem máscara.
Em Londres, adiantou a estudante, “não há controlo nenhum”, tal como no Aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa.
“Pensávamos que íamos ser controladas já que vínhamos de Itália”, mas saí como se nada fosse, fiquei extremamente chocada por Portugal não adotar medidas de segurança”, confessou.
Jéssica Agrela passou, então, dois dias em Lisboa em casa de familiares da Francisca, que optou por ficar na capital portuguesa.
“Mesmo sem passagem, arrisquei, fui para o aeroporto e consegui viagem para regressar à Madeira”, disse.
Quando chegou à ilha, mediram-lhe a temperatura, teve “de preencher um formulário, fizeram perguntas e assinou um documento de confidencialidade, no qual se comprometeu a cumprir a quarentena sob pena de sofrer sanções, pecuniárias ou de prisão”.
Jéssica diz não ter dúvidas que há “medidas de segurança à chegada à Madeira”, considerando-as “o melhor processo para garantir segurança a quem viaja e à população”.
“É uma atitude muito responsável”, frisou.
“Tenho noção da realidade porque a vivi, eu sei aquilo com que estamos a lidar. Eu vi o terror”, sublinhou a jovem.
Jéssica Agrela está a cumprir o isolamento social obrigatório numa unidade turística em Santa Cruz, que, até 13 de abril, será a “sua casa”.
A estudante agradece o apoio e o encaminhamento que as autoridades regionais e, particularmente, a Direção Regional das Comunidades lhes prestaram.
“Foram-nos seguindo passo a passo. Foi, por isso, que cheguei cá”, disse.
O novo coronavírus, responsável pela pandemia da covid-19, já infetou mais de 828 mil pessoas em todo o mundo, das quais morreram mais de 41 mil.
Em Portugal, segundo o balanço feito hoje pela Direção-Geral da Saúde, registaram-se 187 mortes, mais 27 do que na véspera, e 8.251 casos de infeções confirmadas, o que representa um aumento de 808 em relação a terça-feira.