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Como dizia o outro: considerem!

Cheguei a 16 de Fevereiro ao Aeroporto Internacional de Bangui, na República Centro Africana, o segundo país mais pobre do mundo e não entrei sem que um tipo com luvas me encostasse um termómetro à testa e uma moça ao seu lado me desinfetasse as mãos. Repito: RCA, segundo país mais pobre do mundo, onde se morre por causa de lombrigas e por falta de dinheiro para ir ao médico. Mostrei o inquérito que me tinham dado no avião, onde respondera sobre a origem, os dias da viagem, se tinha tido ou contactado com alguém com febre nos dias mais próximos: um mimo.

Voltei a 20, com destino a Casablanca, curiosamente também em África, tido como aquele continente pobre e mal organizado e antes de sair do avião tive de preencher mais um inquérito igual, que o mal encarado dos passaportes (os árabes são mesmo carrancudos), viu com atenção antes de me devolver. Em Lisboa, nada...

Entretanto trazia na memória as imagens de crianças subnutridas, com os olhos tão amarelos que não consigo descrever e a dedicação que as Forças Armadas Portuguesas têm com escolas com 230 alunos na sala do 4º ano, amontoados em bancos de quatro. Estava em África, no centro do continente, com uma humidade que faz a Madeira parecer seca e havia crianças com bebés às costas, sorrindo aos militares que ajudam a manter a segurança das populações, que lhes levam bolas doadas pelo Comité Olímpico. Fazendo parte do grupo de 12 mil capacetes azuis que estão na RCA, os portugueses são respeitados de uma forma diferente dos outros contingentes e isso é reconhecido por todos, incluindo as organizações internacionais que ali estão. Há algo na nossa gente que marca os países por onde passa...

A 25 de Fevereiro, com as primeiras mortes no norte de Itália, a minha mais nova chega ao Aeroporto de Lisboa, vinda de Bolonha. Avisei-a do inquérito que lhe iam dar, preveni-a para não mentir quanto à febre que tivera cinco dias antes, descoberta precisamente à entrada de Itália e aguardei o desfecho da viagem. Informei-a de que já eram conhecidas dezenas de casos e onze mortes na zona próxima à que ela estivera. Dez minutos depois de o avião aterrar, ligou-me da porta do aeroporto, à minha espera. Não lhe perguntaram nada, não lhe deram um único papel. Agora, é o que se vê. E eu, que vim do terceiro mundo, (dizem), assisti incrédula a esta passividade lusa. Andamos lá por fora a defender populações de grupos armados e em território nacional, quando o tal do 19 podia já andar a fazer estragos, ninguém zela pela nossa saúde. Só me faltava acabar estas linhas a dizer: considerem!

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