Investigadores propõem modelo que visa preparar sociedade para fogos extremos
Investigadores da Universidade do Porto e outras instituições nacionais e internacionais desenvolveram um modelo que, ao propor um novo paradigma de gestão dos fogos, visa melhorar a “prevenção e preparação” da sociedade para incêndios extremos, revelou ontem a responsável.
Iniciado em 2016 sob o lema “O desafio de ver a floresta e não somente as árvores”, o projeto FIREXTR, que juntou instituições de Portugal, Austrália, Canadá, EUA, França e Itália, partiu da visão conjunta de que “os incêndios não são todos iguais”.
“Tínhamos consciência de que os incêndios não são todos iguais e que há incêndios que estão para lá da capacidade de controlo, quer em Portugal, quer em qualquer parte do mundo”, afirmou à Lusa Fantina Tedim, professora da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP) e coordenadora do projeto.
A docente explicou que este trabalho, desenvolvido nos últimos três anos, começou inicialmente por definir e caracterizar o “que é um incêndio”, algo que em Portugal, segundo Fantina Tedim, é compreendido com base no número de fogos e área ardida.
“Em Portugal, os parâmetros utilizados para se verificar se houve ou não sucesso na gestão do problema são sempre o número de incêndios e a área ardida. Temos de passar a compreender os incêndios, não em função da área afetada, mas em função das características próprias do incêndio”, afirmou, dando como exemplo o incêndio que em 2017 afetou Pedrógão Grande.
“O incêndio de Pedrógão teve, no seu final, uma área afetada de cerca de 29 mil hectares, mas o grande problema que causou as mortes e outros danos ocorreu quando o incêndio tinha cerca de 4,9 mil hectares”, referiu.
De acordo com a docente, à semelhança de um sismo, um incêndio também liberta energia e tem características intrínsecas, nomeadamente a velocidade, intensidade de propagação e capacidade de gerar projeções.
Além das características, os investigadores criaram uma “classificação”, dividindo os incêndios em duas classes: os “normais”, cuja intensidade permite que se controle o fogo, e os “extremos”, que estão “além da capacidade de controlo”.
“A esta classificação, adicionamos uma tabela em que identificamos, para cada uma destas categorias [quatro tipos de incêndios normais e três tipos de incêndios extremos], as ameaças físicas e psicológicas que colocam para as pessoas, operacionais e infraestruturas”, esclareceu.
Com base nesta informação, recolhida junto de diferentes populações afetadas por incêndios, os investigadores propõem agora um novo modelo que intitulam de “Governança Partilhada dos Incêndios” e que pretende substituir “o atual modelo de gestão dos incêndios, assente na ‘guerra ao fogo’ e centrado no combate”.
O modelo, que identifica três nível diferentes de atuação (antes, durante e após o incêndio), sugere que a maior parte das atividades de prevenção e preparação, cerca de 61%, têm de ser realizadas antes do incêndio e apenas 18% durante o mesmo, como o combate às chamas e a evacuação de infraestruturas.
Segundo Fantina Tedim, este modelo “implica várias mudanças”, sendo que a sua implementação vai, naturalmente, “mudar a forma como a população se relaciona com o fogo”.
“Não identificamos a necessidade de mudança como um requisito para a implementação do modelo, mas sabemos que temos, em Portugal, de transformar a relação que temos com o fogo. Se não o fizermos, vamos continuar a ter problemas como em 2003, 2005 e 2017. É só uma questão de tempo e das condições se conjugarem”, defendeu.
No âmbito deste projeto, a equipa de investigadores desenvolveu ainda o conceito de ‘fire smart territories’ que, com base numa monitorização constante, visa “minimizar o perigo e risco associado a incêndios em alguns territórios”.
O projeto FIREXTR vai ser apresentado na sexta-feira, na FLUP, num evento que conta com a participação de vários especialistas e que visa abordar, entre outros temas, o contexto dos fogos florestais em Portugal, os danos pós-incêndio e a segurança das populações.