Democracia na cultura passa por papel activo
Porto Santo vai funcionar como laboratório do PNA entre 2021 e 2024
A cultura deve ser para todos e com cada um, e a democratização da cultura deve dar lugar à democracia cultural, defendeu Paulo Pires do Vale, comissário do Plano Nacional das Artes (PNA), um dos convidados do seminário ‘Redesenhar a antiga Escola da Vila do Porto Santo (Parte II)’ que está a ser promovido pela Porta33 desde ontem, até sábado na ilha. A democracia cultural é um dos princípios do PNA, que contempla o projecto da escola, que nas palavras do comissário encarna os princípios e propósitos do projecto nacional.
O projecto da Escola do Porto Santo entra no eixo da capacitação, no programa de pensamento e formação, tem como compromisso sediar nesta escola um programa de iniciativas dedicadas à investigação e reflexão crítica sobre Cultura e Educação. Vai passar por um encontro anula de reflexão para pensar políticas nestas áreas; por residências-laboratório para artistas que queiram trabalhar projectos relacionados com a comunidade/escola; por residências de pensamento para bolseiros do PNA, investigadores e autores. Será implementado entre 2021 e 2024.
Quando se fala de democratização da cultura ainda há resquícios de conservadorismo, alguns sabem o que os outros devem saber, um certo paternalismo, identificou Paulo Pires do Vale. A noção deve ser alterada para democracia cultural, que representa a valorização do que todos sabem, do que cada um sabe para o todo. “Cada um com o que tem, cada um com a sua voz”. E nesta nova forma de olhar, não há o levar a cultura a outros lugares. Ela já lá está. “Mudar esta ideia de centro e periferia é determinante e quisemos também este projecto para pensar como as periferias podem ser novos centros, como a partir daqui podem erradicar para o resto do país um conjunto de propostas que não existiriam se não partissem daqui.”
O comissário defende que não basta ter acesso à cultura, é preciso ser parte activa. Está mesmo consagrado na Constituição o direito não só à fruição, mas a produção cultural, que permite a tal passagem da democratização à democracia cultural, que guiou a criação do PNA.
“Sendo a escola um lugar de aprendizagem, pode ser também um lugar de outro modo de pensar a escola, de outro modo de fazer escola e de outro modo de fazer cultura”.
As parcerias são fundamentais para operar a mudança. Não pode ser pensado de cima para baixo, mas em diálogo e com os melhores agentes no local, defendeu.
O Porto Santo vai funcionar como laboratório. A ideia é que o que se experimentar e pensar possa chegar a outros e até, “a partir do pensamento aqui realizado mudar até políticas culturais e formas de fazer que ainda estão marcadas por essa ideia paternalista de levar cultura em vez de compreender e valorizar a cultura que já existe em cada lugar”. Paulo Pires do Vale diz que é preciso desaprender a achar que cultura é só o que vem de fora ou que os outros têm.
Nasceu há cerca de um ano o Plano Nacional das Artes, foi nessa altura que Paulo Pires do Vale e Sara Barriga Brighenti começaram a desenhar esta ferramenta nascida de um entendimento entre os ministérios da Educação e da Cultura e que se abriu também ao Porto Santo e ao projecto ‘Redesenhar a antiga Escola da Vila do Porto Santo’ proposta pela Porta33. “Este redesenhar da escola tem tudo a ver também com esse redesenhar estratégico que queremos para os territórios”, disse o director, que vai apresentar no próximo dia 11 no Funchal esta estratégia nacional para fazer das periferias centros.
O PNA são as pessoas todas que estão envolvidas. O documento é uma estratégia e um manifesto que propõe a responsabilização de todos pela cultura de todos, um pouco como já acontece com o ambiente. Falta responsabilizar pelo ambiente cultural. Essa é a mudança de passar a ser espectador e passar a ser actor e produtor cultural. Todos devemos ser produtores culturais, à nossa medida, no nosso lugar. Não ficar à espera que a cultura venha de outros, no sentido de ue fruir o que os outros me dão”.
O PNA entre outras coisas propõe aos municípios o desenvolvimento de planos estratégicos municipais de cultura e educação. Foi encomendado um plano ao centro de investigação da Universidade do Minho, e a partir desse trabalho os técnicos darão formação vão capacitar as autarquias para que haja um plano com a dimensão e especificidade de cada território.
Às instituições culturais propõe compromissos de impacto social, saber o que cada equipa pode fazer e a quem quer chegar, um contrato com a tutela e com responsabilização mútua.
Às escolas propõe a criação de um projecto cultural de escola, com um coordenador, a trabalhar com um conselho consultivo onde está a comunidade educativa e os membros da comunidade cultural, para entrarem na escola.
Como é que a cultura, as artes podem resolver os problemas é o desafio lançado. O plano está a “mergulhar” na realidade dos territórios diferentes, disse o comissário. “O plano não se fará sem este lugar de cada um na sua realização”, afirmou.