Corrida no Brasil a medicamentos ainda em estudo para tratamento à Covid-19
Medicamentos que contêm cloroquina e hidroxicloroquina, substâncias que estão a ser testadas no tratamento do novo coronavírus estão praticamente esgotados em várias farmácias de São Paulo, a maior cidade do Brasil.
Em pelo menos dez farmácias da região central da cidade estão esgotados estes medicamentos, que são usados regularmente no tratamento de malária e doenças autoimunes como lúpus e artrite reumatoide.
Hidroxicloroquina é um metabólico derivado da cloroquina. Ambas as substâncias são prescritas para os mesmos problemas de saúde.
Farmacêuticos contaram à Lusa que houve uma corrida a estes medicamentos com cloroquina depois de o Presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, ter dito que poderiam curar a covid-19 e que pediria ao Exército para aumentar sua produção.
Face à procura, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) proibiu a venda sem receita médica e classificou as substâncias no grupo de controlo especial.
Numa das farmácias visitadas pela Lusa, uma funcionária, que pediu para não ser identificada, contou que todo o ‘stock’ da empresa, que tem mais de 130 estabelecimentos, foi comprado por um hospital para tratar pacientes infetados pelo novo coronavírus.
O jornal Folha de S.Paulo noticiou que alguns hospitais de referência da cidade de São Paulo juntaram-se para iniciar testes com hidroxicloroquina na recuperação de pacientes da covid-19.
Dois especialistas consultados pela Lusa consideraram que não há estudos conclusivos que comprovam os benefícios da hidroxicloroquina e da cloroquina para este tipo de tratamento e que o medicamento não deve ser usado sem orientação médica.
“Alguns efeitos colaterais destes remédios precisam ser monitorizados, principalmente de pessoas que usam por muito tempo, porque pode causar arritmia cardíaca”, afirmou Giovanni Breda, médico infecciologista e professor da Escola de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).
“O risco da automedicação é grande porque o paciente não tem a recomendação medica profissional sobre a dose, sobre o intervalo que ele deve usar, potenciais benefícios que pode esperar do tratamento e os potenciais efeitos colaterais”, acrescentou.
Questionado sobre a recomendação pública do Presidente para o uso generalizado do medicamento, o especialista considerou que figuras publicas não devem mencionar tratamentos para doenças, mesmo que promissores, sem fundamentos científicos.
“As pessoas, quando escutam lideranças tendem a confiar e encarar aquilo como algo verdadeiro (...) Tudo o que há até agora é muito frágil para dizermos que a cloroquina vai proteger a população numa situação de colapso na saúde, em formas graves da doença. Há uma razoável plausibilidade biológica, mas que precisa ser testada em estudo clínicos que já estão em andamento”, apontou.
Natália Pasternak, presidente do Instituto Questão Ciência e investigadora do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo, indicou ter restrições sobre a eficácia da cloroquina no tratamento do novo coronavírus.
“Há estudos preliminares que mostraram a que cloroquina funcionou em testes de laboratório, mas estudos em humanos ainda não existem. Há um estudo francês de baixa qualidade que não está sendo levado a sério em nenhum lugar do mundo, só no Brasil e nos Estados Unidos”, disse.
A especialista explicou que os cientistas de todo o mundo têm testado e investigado a eficácia de remédios conhecidos para enfrentar a pandemia porque eles já estão no mercado, passaram por testes e, portanto, são mais seguros.
Já Denizan Viannna, secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde brasileiro, declarou que a cloroquina provou “que tem várias ações no ciclo de replicação do vírus em condições ‘in vitro’, mas os estudos ainda estão em curso”.
O representante do Governo brasileiro fez um apelo para que as pessoas não usem remédios sem indicação para combater a covid-19 fora dos hospitais.
“Quero fazer um pedido para a população. Não usem este medicamento fora do ambiente hospitalar porque não é seguro. Este medicamento não está recomendado para prevenção e para infeções leves por coronavírus fora do ambiente hospitalar”, concluiu.
O Brasil registou oficialmente 2.433 casos no novo coronavírus que já deixou 57 mortos no país, segundo dados divulgados pelo Ministério da Saúde na quarta-feira.
O novo coronavírus, responsável pela pandemia da covid-19, já infetou perto de 450 mil pessoas em todo o mundo, das quais morreram mais de 20 mil.
Depois de surgir na China, em dezembro, o surto espalhou-se por todo o mundo, o que levou a Organização Mundial da Saúde (OMS) a declarar uma situação de pandemia.