Itália reage com raiva ao adiamento de medidas económicas da UE
A imprensa italiana reage hoje com raiva e desânimo ao adiamento pela União Europeia da adoção de medidas mais fortes para responder às consequências económicas da covid-19, tema que merece também destaque nos jornais de Espanha e França.
Uma Europa “feia” e “morta” foram apenas alguns dos adjetivos que jornais e autoridades referiram em reação à decisão dos chefes de Estado e de Governo da EU, que na quinta-feira “convidaram” o Eurogrupo a apresentar, dentro de duas semanas, propostas para mitigar as consequências económicas da pandemia de covid-19.
Ao fim de cerca de seis horas de discussões, através de videoconferência, os líderes dos 27 adotaram uma declaração conjunta que, no capítulo dedicado a como “enfrentar as consequências socioeconómicas” da pandemia, convida o fórum de ministros das Finanças da zona euro, presidido por Mário Centeno, a apresentar propostas, “dentro de duas semanas”, que “tenham em conta a natureza sem precedentes do choque de covid-19”, que afeta as economias de todos os Estados-membros.
De acordo com várias fontes diplomáticas, o chefe de Governo de Itália reclamou, durante o Conselho Europeu, que a UE encontrasse uma resposta comum adequada à pandemia de covid-19 no prazo de 10 dias.
O primeiro-ministro do país europeu mais afetado pela pandemia -- Itália contabiliza mais de oito mil mortos -- ter-se-á manifestado muito descontente com a “resposta” contida no primeiro esboço de declaração do Conselho Europeu, tendo mesmo recusado assiná-la, por não conter instrumentos financeiros verdadeiramente “adaptados a uma guerra”, segundo adiantaram vários órgãos de informação, citando fontes governamentais italianas.
Hoje, o diário Fatto Quotidiano publica em manchete um forte insulto contra uma “Europa morta”, enquanto o La Repubblica, diário que é habitualmente o mais pró-União Europeia de Itália, descreve uma “Europa Feia”.
“Se a UE não se puser de acordo, o projeto europeu acabou”, considera o Corriere della Sera. Também pró-europeu, o jornal faz um trocadilho, referindo que “a união não faz a força”.
O diário financeiro Il Sole-24Ore acredita que a UE está “num ponto de viragem” e cita um diplomata europeu segundo o qual “quando se contam os mortos, não se contam os milhões”.
“Estamos à espera de que os nossos parceiros europeus façam a sua parte, porque não sabemos o que fazer só com palavras bonitas”, escreveu o ministro dos Negócios Estrangeiros italiano, Luigi Di Maio, na sua página de Facebook.
O ex-presidente do Parlamento Europeu Antonio Tajani, membro do partido de oposição Forza Italia (centro-direita) também expressou raiva, afirmando que “uma Europa cobarde como a que vimos ontem [na quinta-feira] será varrida pelo coronavírus”.
“Enquanto continuamos a morrer e a economia entra em colapso, as decisões são adiadas por duas semanas. O egoísmo masoquista dos defensores do rigor é míope e perigoso para todos”, criticou.
“Mais uma vez, a Europa demonstra a sua ausência de estratégia”, referiu o governador de Veneto, uma das regiões mais afetadas pela pandemia, no canal Rete4.
Também em Espanha, vários jornais dão conta do “fracasso” da reunião em adotar medidas, além de realçarem que Portugal defendeu a Espanha perante a “mesquinhez” da Holanda no Conselho Europeu sobre o coronavírus.
Esses media sublinham a reação do chefe do Governo português ao considerar “repugnante” as declarações do ministro das Finanças holandês, Wopke Hoekstra, quando levantou, após o Conselho Europeu Extraordinário, a possibilidade de a Espanha ser investigada pela sua gestão da pandemia.
O jornal de referência em Espanha El País destaca em primeira página que Espanha e Itália “forçam” a União Europeia a concretizar um plano anticrises em 15 dias, colocando o acento no confronto entre os chefes do Governo espanhol e italiano com o holandês.
Em França, o jornal “Le Monde” dedicou ao encontro dos líderes europeu o seu editorial, questionado se esta crise de saúde “pode ser fatal ao projeto europeu” ou “ajudar a consolidar a união entre os 27”.
Segundo o diário francês, a reunião mostrou que “ainda há divisões profundas” entre os diferentes países europeus e que os instrumentos lançados entretanto pelo Banco Central Europeu não serão suficientes “sem uma ação coordenada” dos Estados-membros.
Já o “Mediapart” considera que este vírus “é um teste à solidariedade” europeia e o “Liberation” que a reação à pandemia “deve fazer avançar a integração europeia” sob pena de ver reforçado o poder dos populistas no continente.
O continente europeu, com quase 275.000 infetados e 16.000 mortos, é onde está a surgir atualmente o maior número de casos de infeções por coronovírus, e a Itália é o país do mundo com mais vítimas mortais, com 8.165 mortos em 80.539 casos.