Da cura e da “morte”
1. Livro: aproveitem estes tempos estranhos em que vivemos e leiam. Estipulem tempos por dia para o fazerem. Se não têm livros em casa, a Câmara Municipal do Funchal está a oferecer alguns. Também não é difícil “apanhar” na net coisas boas para ler. É só procurar.
2. Disco: ajudem os nossos. Uso o Spotify. Os artistas ganham por cada vez que uma música sua for ouvida. Estão lá madeirenses: DD Peartree, Jesus or a Gun, Akoustic Junkies, Orquestra de Bandolins, Franco, etc. Ouçam-nos, ajudem-nos.
3. O tecido empresarial português é constituído, na sua esmagadora maioria, por PME (Pequenas e Médias Empresas). São 99,9% do total. Onde as Micro empresas representam 96%, as Pequenas pouco mais de 3% e as Médias à volta de 0,5%.
Uma Micro empresa emprega até 10 trabalhadores e o seu volume de vendas (não é o lucro) não ultrapassa os 2 milhões de euros. Muitas das vezes são empresas familiares. São empresas que vivem mês a mês, a maior parte delas, com muito pouca liquidez. Dão emprego a cerca de 1 milhão e 800 mil portugueses.
Uma Pequena empresa pode ter até 50 funcionários e o seu volume de negócios não pode ultrapassar os 10 milhões de euros. Partilham muitas das características com as Micro empresas. Empregam à volta de 800 mil portugueses.
A Média empresa pode ter até 250 trabalhadores e o volume de negócios não excede os 50 milhões. São um pouco mais robustas. Nelas trabalham acima de 600 mil portugueses.
No total, as PMEs, empregam mais de 3 milhões, num universo que pouco mais de 4 milhões de portugueses que trabalham.
Pensar em medidas a aplicar neste momento difícil que atravessamos obriga a olhar para estes números.
Na passada sexta-feira vi a declaração de António Costa a anunciar as medidas que o seu governo propõe. Puxei para trás e voltei a ver a declaração de Costa. Repuxei para trás e mais uma vez vi a declaração do Primeiro-ministro. Vou ver mais umas quantas vezes a declaração do chefe do governo para perceber se me enganei e entendi mal.
António Costa não conhece o país que governa. António Costa não faz ideia do que é o nosso tecido empresarial. António Costa ignora o que acima foi demonstrado, que 99,9% das empresas portuguesas são Micro empresas ou PME’s.
O governo do meu país é constituído por um grupo de gente que fez carreira dentro dos partidos. São ‘apparatchiks’ partidários de pouco valor.
Com as medidinhas anunciadas não vamos morrer de COVID19, mas vamos morrer da cura deste. O que aí vem são falências em massa, é desemprego, é uma enorme crise social.
4. Não sou economista. Sou um interessado em economia. Leio muito sobre o assunto. Chateio imenso quem mais sabe do eu, a pedir bibliografia, dados, estudos e explicações. Como não o sou, isso permite-me olhar para estas coisas com os olhos de um leigo/interessado, fazendo-o fora dos cânones da cientificidade, a que a economia, como ciência que é, obriga.
Esforço-me e tento não dizer muitas asneiras. Sei que sou chato. Sei que estou sempre a bater na mesma tecla. Mas ainda não vejo nada que indique que estamos em emergência económica.
As medidas anunciadas são insuficientes. Não devia haver tecto nenhum, as verbas não deviam estar divididas por sectores. O estado vai ser avalista de empréstimos.
Repito: a maior parte das nossas empresas são micro, pequenas ou médias com muito pouca liquidez. É essa uma das suas características. Vivem ao dia ou no máximo ao mês. Temo que o processo seja “à portuguesa”, a chamar por papéis e declarações, modelos e certificações. A costumeira burocracia que nos tolhe sempre os movimentos. Exige-se agilização.
Sei que há quem pense que isto pode descontrolar e andar o Estado (todos nós) a emprestar dinheiro mal emprestado. É verdade. Mas o momento é de excepção. Imagine-se que o total de ajudas de que o estado vai ser avalista atinge os 30 mil milhões de euros. Mera hipótese académica. Vamos aceitar que 80% dos nossos empresários são pessoas de bem que querem cumprir com as suas obrigações. Marquemos nos restantes 20% as empresas que não vão mesmo conseguir recuperar, e os costumeiros aldrabões e vigaristas. 20% de execução do aval dá um valor de 6 mil milhões de euros. Muito mais do que isto viram, os contribuintes portugueses, ser enfiado na banca nos últimos, quase, 10 anos. A economia nacional, na sua totalidade, é muito mais importante do que a banca.
O Estado deve ser expedito na ajuda e mais tarde investigar tudo muito bem investigado, de modo a punir os aproveitadores deste enorme momento de crise, que urge minorar da melhor maneira possível.
O Governo de Costa o mais que fez, foi mandar empurrar com a barriga, por uns meses, o que agora devia ser pago. A maioria do nosso tecido empresarial não o vai poder fazer, sob pena de não conseguir acudir a outros pagamentos, entre os quais os ordenados.
Devia ter ficado bem claro que se ia avançar para a possibilidade do “layoff” simplificado. Para quem não sabe, esta é uma medida que preserva o vínculo laboral entre empregado e empregador, onde o trabalhador passa a receber 2/3 do ordenado, dos quais 70% ficam a cargo da Segurança Social e os outros 30% da responsabilidade da entidade patronal. Mais uma vez agir com rapidez permitindo a agilidade de processos e numa segunda fase investigar e verificar a lisura dos requerimentos. Há que manter os vínculos laborais entre trabalhadores e empresas. A urgência exige burocracia zero!
Também não se ouviu nada de perceptível sobre efectivas medidas de protecção de crédito. Urge que, por decreto, seja estabelecida uma moratória no pagamento de empréstimos de curto e longo prazo. E a banca aguenta? Recorrendo às palavras de Fernando Ulrich aqui há uns anos: “ai aguenta, aguenta”!
5. As consequências indesejadas das decisões que os personagens políticos tomam fez-me lembrar o “feito cobra”. Este efeito ocorre quando uma tentativa de solução para um determinado problema, piora o problema. O Governador britânico da Índia estava preocupado com o número de cobras venenosas e ofereceu uma recompensa por cada cobra morta. Mediante a entrega da pele do ofídio, recebiam de volta o valor estipulado. No início correu tudo bem e um grande número de cobras foi morto. Só que o político, quando pensou a medida, deixou de lado o engenho humano. E não demorou muito a surgirem verdadeiras quintas de produção de cobras para vender ao Estado. O Governador, apercebendo-se disso, acabou com a festa. Quem andava a criar cobras logo as soltou, porque delas já não precisava. E a solução política do problema fez com que o número destas aumentasse. Tenho sempre medo das soluções decididas por políticos desfasados da realidade.
6. À hora a que escrevo estas linhas, não sei ainda as medidas apresentadas pelo Governo Regional. Espero que ajudem e não compliquem.
7. Magoa-me ver como tão depressa se instalou uma certa xenofobia contra o turista, contra o estrangeiro. Depois disto vamos ter que voltar à nossa vida. O turismo vai ter que ser um dos factores mais importantes na recuperação que vamos precisar fazer. Ostracizar, insultar, ter um pavor absurdo deles não ajuda em nada.
Também tenho medo. Muito. Mas esforço-me para que isso não me torne irracional.