Investigador avisa que Covid-19 vai acelerar proteccionismo no mundo
O investigador de relações internacionais Carlos Gaspar considera que a epidemia de Covid-19 vai acelerar uma tendência de protecionismo regionalista iniciada na crise financeira de 2008 e acabar com a globalização da produção de bens.
“Aquilo que parece ser o mais provável é que a resposta das autoridades políticas, dos agentes económicos e das sociedades a esta epidemia seja a acelerar a inversão da tendência da globalização para dar entrada num ciclo de protecionismo regionalista”, defendeu o investigador em declarações à Lusa.
Esse ciclo começou, segundo Carlos Gaspar, com a crise financeira de 2008, mas as respostas à epidemia Covid-19 é uma confirmação da tendência para um protecionismo regionalista.
De acordo com o investigador do Instituto Português de Relações Internacionais, “a interdependência, que era considerada um fator crucial de cooperação nas relações políticas e económicas internacionais, passou a ser um fator de risco, de conflito e de tensão”.
Sublinhando que não considera que se caminhe para uma renacionalização - exceto em caos de países que compreendem quase um continente, como os Estados Unidos, a China ou a Índia - Carlos Gaspar explicou, por exemplo, na União Europeia “vai haver uma tendência para fechar as fronteiras externas, como fizeram os Estados Unidos e a Rússia”.
Para os consumidores e a cadeia de produção a que o mundo está habituado, a mudança será drástica.
“Aquelas cadeias de valor, aquela divisão internacional do trabalho que faz com que as coisas comecem a ser produzidas na China, na Índia ou no Bangladesh e acabem a ser finalizadas na Califórnia ou em Inglaterra ou na Alemanha”, permitindo uma rentabilidade de custos, vão passar a representar riscos.
Por seu lado, “vão ser iniciadas políticas de reindustrialização no quadro da União Europeia, vão-se voltar a produzir na União Europeia muitas coisas que deixaram de se produzir”, defendeu Carlos Gaspar.
As relações vão deixar de estar excessivamente dependentes de um só parceiro em domínios que são considerados críticos para a saúde pública e a segurança nacional ou apenas o bom funcionamento da economia”, referiu, lembrando que, “numa situação de crise, os Estados ou entidades como a União Europeia põem os seus interesses próprios em primeiro lugar”.
Esta mudança, sublinhou o investigador, “não cai do céu”.
“Os Estados Unidos já estão, há cerca de dois anos, a seguir uma tendência de desacoplamento relativamente à China e as tendências de impor uma linha de reciprocidade entre a União Europeia e a China no domínio das trocas económicas vai no mesmo sentido também”, disse.
Também a definição das fronteiras externas da União Europeia na sequência da crise ucraniana e da crise dos refugiados” mostra uma tendência semelhante.
“Simplesmente, as tendências serão aceleradas pela resposta à epidemia”, explicou Carlos Gaspar.
O fim da globalização significa, para o investigador, que “um certo número de bens que existem atualmente no mercado e que são muito acessíveis, muito baratos e muito práticos vão deixar de existir e ser substituídos por produtos criados no espaço europeu ou em espaços mais próximos”.
A interdependência é “indispensável para a globalização funcionar”, mas a epidemia de Covid-19 coloca-a em causa.
“Neste momento a interdependência é um risco, se não mesmo uma ameaça”, concluiu.
O surto de Covid-19, detetado em dezembro, na China, e que pode causar infeções respiratórias como pneumonia, provocou pelo menos 2.980 mortos e infetou mais de 87 mil pessoas, de acordo com dados reportados por 60 países.
Das pessoas infetadas, mais de 41 mil recuperaram.
Além de 2.873 mortos na China, há registo de vítimas mortais no Irão, Itália, Coreia do Sul, Japão, França, Taiwan, Austrália, Tailândia, Estados Unidos da América e Filipinas.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou o surto de Covid-19 como uma emergência de saúde pública internacional e aumentou o risco para “muito elevado”.