O Bom, o Mau e o Diabo
A vida tem muitos ritmos. A velocidade furiosa com que o coronavírus viajou da China para a Europa e agora arrasa países como Itália ou Espanha. A lentidão metódica com que doze pás eólicas gigantes atravessam meia ilha e ascendem ao planalto do Paúl da Serra. O ritmo sincopado, de avanço e recuo, como Pedro Nuno Santos aceitou explicar porque devíamos “comer e calar” os preços da TAP, para depois acobardar-se atrás de um parecer feito à sua medida. E, por fim, a arritmia política do reciclado líder do Bloco de Esquerda na Madeira, que apontou à eleição de deputados em 2023 e esqueceu-se que só tem mandato até 2022. Com ou sem ritmo, vamos à crónica.
O bom: Elisa Silva
Da Ponta do Sol até ao Festival Eurovisão da Canção. Parece uma viagem improvável, pelo ponto de partida, mas quem conhece a Elisa dirá que tem pouco de surpreendente. Dos festivais infantis na Madeira até à Escola Superior de Música, passando pelo nosso Conservatório, a música sempre fez parte da vida da madeirense. Se calhar, a música sempre foi a sua vida. Isso sente-se quando ouvimos a canção “Medo de Sentir”. A voz frágil, quase titubeante, da Elisa revela a honestidade da sua interpretação, como se tivesse vivido aquilo que canta e, agora, o partilhasse connosco em surdina. E até na vitória, a Elisa foi sincera. Cercada por microfones e jornalistas, falou-nos da Madeira, da sua Ponta do Sol e agradeceu, não só aos que a apoiaram naquela noite, mas aos que a tinham apoiado, muitos anos antes, nos festivais infantis. Depois do caminho iniciado por Sérgio Borges e pela Vânia Fernandes, a Elisa conquistou o seu lugar na Eurovisão e provou que nascer numa ilha, no meio do Atlântico, não é desculpa para nada.
O mau: Orlando Nascimento
Para além de Orlando Nascimento, o mau desta semana poderia ter sido Vaz das Neves ou Rui Rangel. Coube a sorte ao primeiro. Todos são suspeitos de viciação na distribuição de processos judiciais, a qual, a provar-se, será o maior atentado ao sistema judicial português de que há memória. Não só pela sua dimensão, mas principalmente por envolver a instância de recurso mais utilizada em Portugal. O esquema era simples. A distribuição de processos aos juízes do Tribunal é automática e aleatória - é assim em todos os tribunais -, mas na Relação de Lisboa era o Presidente que escolhia quem decidia o quê. Alegadamente, tê-lo-á feito em mais de 500 processos. Em pelo menos um caso, fê-lo para obrigar um jornalista a pagar uma choruda indemnização a Rui Rangel por ofensa ao bom nome. O Supremo arrasou a decisão da Relação de Lisboa e absolveu o jornalista. A justiça pode ser lenta, pode ser cara e até pode ser injusta, porque quem decide também erra, não pode é ser corrupta. E essa corrupção é especialmente grave para o sistema, quando se verifica nos tribunais de recurso. Porque, em boa verdade, cabe-lhes a fiscalização das decisões de outros tribunais, ou seja, a última palavra do Estado em muitos processos judiciais. E essa última palavra não pode estar manchada de dúvida ou suspeição, sob pena de manchar todo o sistema. Por isso não bastam processos disciplinares aos envolvidos, é preciso garantir que isto não se repete.
O diabo: Coronavírus
O vírus chegou. E numa situação de pandemia, nada se espalha tão depressa como o medo. O problema é que o medo nem sempre é bom conselheiro, especialmente quando não se dirige às coisas certas. A corrida às máscaras de proteção não previne o vírus. O assalto às prateleiras dos supermercados não previne o vírus. A partilha de remédios milagrosos nas redes sociais não previne o vírus. Por agora, a única solução que temos é a prevenção, e essa é, em primeiro lugar, da responsabilidade de cada um de nós. Não é do Governo, não é da política, não é dos hospitais, nem dos profissionais de saúde. É nossa! Não exijam que se feche o aeroporto, enquanto se sentam confortavelmente numa esplanada cheia de gente. Não peçam que se fechem escolas, para depois passarem o dia num centro comercial. E nem me falem de viagens de finalistas. Esta é a hora de sermos exigentes com as autoridades, mas de sermos ainda mais com nós próprios. Esta não é a hora do debate político. Haverá tempo para avaliar o que se fez bem e o que se poderia ter decidido de outra forma. Mas, nesta altura, qualquer má decisão, por defeito ou por excesso, será sempre melhor do que a indecisão. Hoje, e nas próximas semanas, a nossa prioridade deixa de ser individual e passa a ser coletiva. Menos máscaras e mais mãos lavadas. Menos idas às compras e mais tempo em casa. Menos pânico e mais informação credível, de fontes seguras. Esta é a nossa oportunidade de mostrar que a solidariedade pode triunfar sobre o pânico de alguns e o desleixo de outros. Por nós e pelos nossos. Por todos.