Risco real e risco percecionado
Em alturas de crise o alarmista tem normalmente vantagem em relação a quem age de acordo com a proporcionalidade do risco. Se as coisas se agravarem pode alegar que bem avisou e não lhe deram atenção, caso contrário ou ninguém se lembra do que disse ou alega que se teve sorte e que podia ter sido uma catástrofe.
Há sempre custos (não apenas financeiros) para prevenir ou minimizar os riscos. Será que os queremos assumir? Será que quando compramos um carro estamos dispostos a investir em todos os sistemas de segurança que o carro possa ter?
O excesso de mecanismos de segurança também pode ser prejudicial e acarretar problemas acrescidos (por exemplo, numa viagem não podemos levar tudo o que eventualmente nos possa vir a fazer falta).
O risco real também depende das capacidades e potencialidades de cada um e dos meios que são passiveis de ser acionados ou utilizados em tempo útil.
Não é possível ter um médico e uma ambulância disponível para cada habitante. Devem existir rácios aceitáveis, sabendo que em certas alturas podem existir picos de solicitação e pontos de rotura. Têm de existir planos de contingência, mas obviamente é provável que existam vítimas nas transições .... Quando “nos calha” a nós é que é pior...
O processo educativo deve desenvolver uma cultura de exigência, mas com a consciência que há sempre risco, que não é possível eliminá-lo completamente e que os níveis de prevenção e mitigação têm custos que têm de ser suportados. Os recursos não são infinitos e o reforço da segurança numas áreas implicará menor investimento noutras.
Identificar as gorduras institucionais, os compadrios, os elefantes brancos, etc., ajuda a eliminar desperdícios, mas mesmo assim será sempre necessário fazer opções.
Uma boa estratégia, quer contra o populismo e demagogia daqueles que tudo prometem e reclamam, quer contra os que arranjam desculpas “esfarrapadas” para esconder a sua negligência, incompetência ou mesmo desonestidade, passa por ter sentido crítico, por saber equacionar as diferentes vertentes do problema, por analisar as implicações das opções...
É necessário conseguir distinguir o “aldrabão/incompetente” do “honesto/competente” que teve a infelicidade de tomar uma opção errada ou foi apanhado numa cascata de eventos que ultrapassaram as suas capacidades e esfera de competência, mas qual comandante de navio tem de assumir as responsabilidades.
A escola e o desporto são meios privilegiados para ajudar neste processo de formação de um cidadão responsável. Há atividades, por exemplo as de adaptação ao meio que normalmente são redutoramente denominadas de exploração da natureza, onde é necessária uma permanente leitura do meio envolvente, com opções ao nível das macro e das micro decisões (por ex. do continuar ou não a atividade em função das alterações contextuais até onde tenho de colocar o pé para não escorregar ou ter um deslocamento mais rentável....). Estas atividades podem ser orientadas e geridas de forma a que percecionem um grande risco, como se a sobrevivência estivesse em causa, mas, na realidade, com os mecanismos de segurança e de controle presentes (o risco real é muito menor), ou seja, uma espécie de estar em cima do trapézio e ter uma rede mas não saber que ela lá está. Ou então, pelo contrário, organizadas para que percecionem que o risco é reduzido e depois “apanharem um susto” por julgarem que não tinham sido tomadas certas providências...
Este tipo de situações, com diferentes variáveis e comportamentos solicitados, pode ser realizado nas diferentes atividades desportivas, em todas as idades e condições de prática, mesmo quando existem reduzidos recursos materiais.
Se o processo educativo, nas suas múltiplas vertentes e contextos, nomeadamente na escola, no clube e na família, se preocupasse mais, por exemplo, em desenvolver o espírito crítico, a capacidade de análise e de adaptação, a tomada de decisão em situações críticas, a criatividade e a autonomia e menos com a avaliação de conhecimentos “fora de prazo” para seriar quem passa de ano e entra ou não no ensino superior, ou com o título de “campeão do bairro”, talvez hoje todos fossemos mais competentes e conscientes e estivéssemos melhor preparados para agir de forma mais racional e solidária perante os problemas que se apresentam.