Declaração de pandemia ainda pode ser evitada
O pneumologista e coordenador do gabinete de crise da Ordem dos Médicos, Filipe Fores, admitiu hoje como “cenário mais provável” a declaração de pandemia do novo coronavírus (Covid-19), mas acredita que ainda pode ser evitada.
“A pandemia é o cenário mais provável, mas não quer dizer que seja necessariamente inevitável. Podemos ainda através de um grande esforço de contenção e controle conseguir reduzir as cadeias de transmissão de doença e evitar uma situação de pandemia”, defendeu à agência Lusa o pneumologista.
A declaração de pandemia pela Organização Mundial da Saúde terá de ser “muito bem fundamentada” e suportada pela “grande maioria dos países”, porque tem “profundas implicações” em termos de movimentos de pessoas, bens, mercadorias, trocas comerciais e tem “um profundo impacto na economia mundial e nos eventos que se organizam a nível mundial”.
No entanto, “não declarar a pandemia poderá ter mais prejuízos do que a declaração da pandemia” em termos de saúde individual, de saúde pública e do impacto no mundo.
Uma pandemia significa que há “cadeias de transmissão persistentes” da doença, a maioria da população tem risco de contrair e desenvolver a doença e são necessárias medidas extraordinárias para proteger as pessoas e os países.
Entre essas medidas, Filipe Froes apontou restrições de movimentos, de organização de eventos e, eventualmente, restrições de liberdades.
Num contexto de pandemia, provavelmente serão cancelados os Jogos Olímpicos, que decorrem em Tóquio entre 24 de julho e 09 de agosto, e o Campeonato da Europa de Futebol, que se realiza entre 12 de junho e 12 de julho.
“Ao realizarmos esses eventos estamos a contribuir para deslocações de pessoas”, para o aumento do número de casos, o recrudescimento da doença nalgumas zonas do globo e “o aparecimento de mais doentes eventualmente com formas mais graves de doença e mais casos mortais”.
Sublinhando que “não há nenhum evento de índole cultural e desportiva que tenha como objetivo contribuir para o aumento da doença no mundo”, o especialista considerou que faria mais sentido esses eventos internacionais serem adiados.
Filipe Froes reconhece que “o mundo nunca está preparado para uma pandemia, mas também não significa que vai acabar”.
A este propósito, recordou as pandemias ocorridas nos últimos 100 anos - gripe espanhola (1918/19), gripe asiática (1957-58), gripe de Hong Kong (1968/69)), Gripe A (2009/10) - os avanços feitos para as combater e o papel da comunicação social.
“Uma das coisas que aprendemos na pandemia da gripe A foi o papel fulcral da comunicação social e a necessidade de comunicar de uma forma clara, transparente e responsável o que é necessário fazer”.
Nos últimos 20 anos, também houve surtos por coronavírus, mas sem característica pandémica, nomeadamente o SARS-Cov (2002/2004), o MERS-CoV, que surgiu em 2012 e ainda não está declarado extinto, e o Covid-19 (SARS-CoV-2).
“Isto significa que as doenças infecciosas são um desafio recorrente e perpétuo na história da humanidade”, salientou.
Apesar de as populações terem “memória curta”, no global, durante cada um destes episódios, foi “desenvolvido e incorporado conhecimento que permite atuar de forma mais célere e diminuir o impacto da doença”.
Apontou como exemplo a pandemia da gripe A, a “primeira na história da humanidade” em que no seu decurso foi criada uma vacina.
“Há 100 anos a pandemia da gripe espanhola provocou mais de 50 milhões de óbitos” e no século XIV a peste negra matou um terço da população mundial, “números que são impossíveis de atingir no mundo atual”.
O mundo está mais preparado para responder a estes problemas, mas “a globalização e a mobilidade das pessoas” torna-as mais expostas “a qualquer ameaça”.
“Se por um lado a velocidade como a pandemia se transmite é muito maior, a nossa capacidade de resposta também beneficia do avanço tecnológico que faz com que o impacto, as consequências e as repercussões sejam menores”, explicou.
O que condiciona a resposta a uma pandemia é a sua transmissibilidade, o número de doentes atingidos e a gravidade, tendo em conta o intervalo de tempo em que ocorre.
Num cenário de “uma pandemia com muitos casos, muita gravidade e durante muito tempo, nenhum país está preparado”.
Relativamente a Portugal, Filipe Froes afirmou que, comparando com a capacidade de resposta que houve para a gripe A há 10 anos, agora há “menos capacidade de resposta hospitalar, menos recursos humanos e menos diferenciação”.
“O desafio vai ser muito maior, mas também tem de ser ajustado à transmissão da doença, ao número de portugueses atingidos e à gravidade”, disse, sublinhando que “o desafio neste momento ainda é desconhecido”.