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O orçamento que se quer

A recente discussão e consequente resultado do Orçamento do Estado evidenciou-se como exercício tradicional de negociação ao jeito de cada “freguês”, com a unção extra da necessidade de acudir a algo que verdadeiramente nos une, a pandemia. Não houve quem não deixasse de se apoiar nessa bengala de unanimidade para justificar a natureza contraditória das suas posições ou para esmolar apoios que todos sabemos estar mais ligados a calendários de interesses do que ao que o Orçamento do Estado significa. Nada de novo se passou. Com maior ou menor folclore retórico, todos cumpriram o seu papel, fingindo não perceber que a generalidade dos portugueses está farta da hipocrisia e falta de vergonha dos seus pretensos representantes em sede parlamentar. Nada de novo, por consequência, no acréscimo de mais uns quantos abstencionistas nos próximos actos eleitorais e no crescendo da ideia de que a política pode servir para muita coisa mas muito pouco para resolver os problemas efectivos das pessoas.

O que ganharam os portugueses com este Orçamento, que problemas reais e estruturais foram abordados de modo abrangente, consistente e objectivo, com o que agora foi aprovado?. Mais uns parcos Euros a somar às exíguas pensões de reforma ou rendimentos mínimos, ajustamentos menores nos escalões da colecta estatal e o adiar disfarçado de reprovação de despesas abrigadas por processos pouco transparentes é muito pouco, ou quase nada, no que diz respeito às necessidades estruturais do país, cujos indicadores nos afastam a cada dia que passa da média ou do sentido da melhor prestação dos nossos parceiros europeus. Não podendo caminhar mais para a extremidade da cauda europeia, porque já lá estamos há algum tempo, o milagre português, o verdadeiro milagre, afinal, é fazer aumentar o tamanho da cauda.

Tomemos o exemplo do assunto maior, o que efectivamente tem que ser assumido como o primeiro interesse nacional se algum dia quisermos existir, a educação. Quantas notícias, quantos discursos, quantos deputados, disseram alguma coisa sobre educação no debate do último Orçamento do Estado?. Nada se ouviu de concreto, nenhuma proposta, nenhum compromisso, continuando a educação a ser um não tema na política nacional. No entanto, nos dias da discussão do Orçamento do Estado, corriam notícias, com menor destaque, evidentemente, de que milhares de alunos em centenas de escolas portuguesas continuavam sem professores, numa violação clara do que estipula a Constituição da República Portuguesa. A negação desse direito fundamental dos jovens cidadãos portugueses não parece incomodar ninguém na política nacional. O impacto que a falta de docentes terá certamente na formação da próxima geração passa ao lado da atenção de todos. Não há uma palavra de ninguém sobre esta maleita que nos custará muito, cívica e financeiramente e que é a razão de não nos conseguirmos afastar da cauda Europeia.

Residualmente, a interpretação para a falta de docentes é que dar aulas é pouco atractivo, esquecendo que o problema reside, em muito, na gestão do sector, que obriga a quem ganha pouco mais de mil Euros a ter que se deslocar para cidades onde o salário se esgota na rendas das casa ou que, mesmo para os que conseguem sobreviver, e investem anos nas suas carreiras, na sua formação contínua, nos equipamentos que não lhes são proporcionados, ao fim de 25 anos de carreira continuam com salários de mera sobrevivência. Se há algo que se quer de um Orçamento do Estado, é que sirva para acudir às matérias em que o Estado tem a suprema responsabilidade. Escolas sem aquecimento, com água da chuva nas salas de aula, com amianto nas suas coberturas, tantos anos depois, sem internet, sem docentes e sem recursos humanos, deveriam ser tema obrigatório e prioritário em qualquer Orçamento do Estado e isso, uma vez mais, não aconteceu.

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