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O sistema fiscal próprio: como estragar uma boa ideia

A ideia de assegurar mais autonomia ao sistema fiscal da região é um objectivo que não deve ser negligenciado, mas não é o desígnio. O desígnio é caminhar para a autonomia plena. De qualquer forma, esta ideia pode ser uma parcela da nossa visão estratégica da autonomia, desde que não comprometa conquistas e que não adicione riscos insolúveis para o nosso futuro colectivo.

Comecemos pelo início : existe um consenso regional sobre esta questão ? Há uma maioria efectiva que defende este caminho ? Não sei responder, mas, entretanto, assalta-me outra pergunta : alguma vez realizaram-se as ações necessárias para assegurar esse consenso ? Já se promoveram trabalhos académicos ou grupos de trabalho técnico sobre o tema ? Já se caminhou para o envolvimento de todo o espectro associativo económico/empresarial ? Conhecemos os cenários para um modelo económico com sistema fiscal próprio ? Há consciência da necessidade de uma transição, e de que dimensão, que impeça uma queda vertiginosa de receitas fiscais ? Há a identificação dos argumentos que solidificam a visão estratégica de um novo modelo económico que conta com um sistema fiscal próprio ?

Na verdade, se é isso que estão a pensar, não basta uma maioria na ALRAM. É preciso gerar a consciência colectiva em prol deste objectivo. Um caminho que rompe com o status quo e que exige segurança na sua decisão . Mas atenção, fazer isto não é apenas gerar a propaganda que seja eficaz a convencer os cidadãos . Nada disso. Precisamos de desenhar os cenários concretos com as variáveis realistas para justificar esta opção estratégica. Com definição de objectivos e de resultados .Os cidadãos têm o direito de decidir em consciência mas, lamento dizer, esse debate não está feito na Região.

Mas ainda há mais. Um debate desta natureza exige repensar as proclamações/acções sobre a Lei de Finanças Regionais ou mesmo sobre o futuro do CINM. Qualquer acto político em relação ao primeiro exige integrar este objectivo e incluir a hipotética discussão sobre a revisão da LFR neste objectivo. Quanto ao CINM, assumir este caminho é o mesmo que decretar a sua morte pelo que todos os cuidados são poucos tendo em conta as crescentes dificuldades da sua defesa no panorama nacional e europeu.

Uma visão estratégica é quase como um sonho que só se torna realista construindo um caminho sólido e planeado, perseguindo objectivos concretos e minimizando riscos. Não fazer assim é apenas uma aventura insensata.

O segundo patamar de análise é a o país e as autoridades que dependemos para concretizar este objectivo. Se o debate na região é deficitário, no país nem o embrião foi plantado. Em tempos propus que esse caminho começasse a ser feito, de alto a baixo , influenciando estruturas associativas, líderes de opinião , governantes e autarcas. Mobilizando apoios, entusiasmando todo o panorama partidário, mas sempre com sólidos argumentos e com estratégia clara. Mas não se faz isto com sucesso sem uma resposta ou várias respostas a todos as perguntas feitas em cima e, sobretudo, sem uma resposta ao país que o motive a alinhar connosco neste desígnio . Sem cenários consistentes e sem visão política estamos condenados a falhar. Só vejo, de facto, condições de sucesso com uma liderança que tenha como visão o caminho da autonomia plena, que não se esgota no sistema fiscal próprio.

Infelizmente, há uma intoxicação no plano nacional sobre as questões da zona franca que foram penalizadas por erros primários e grosseiros de comunicação mas também por insuficiente visão integrada do seu contributo para o desenvolvimento regional desde a sua criação. Apesar de estarmos a falar de matérias antagónicas a origem deste objectivo de um sistema fiscal próprio é o resultado da nossa experiência com uma zona de fiscalidade baixa, embora tenha a agravante de ser baseada em benefícios fiscais, obrigando ao escrutínio da direccao geral da concorrência gerando problemas suplementares. Mas nunca nos podemos esquecer que num tempo em que o IRC era zero ( não havia receitas fiscais, praticamente) a obrigação de criação de postos de trabalho não existia e a exigência de investimento era nula, a Região atingiu um pico de pouco mais de 6000 empresas. Com a exigência de imposto de 5% de IRC a zona franca pouco ultrapassa as 1700 empresas, pelo que é preciso realismo nos cenários que possam surgir, sobretudo numa altura de grande concorrência internacional mas também de restrições à fiscalidade diferenciada, pelo menos no quadro da OCDE.

É claro que os resultados obtidos não foram insignificantes, mas temos de reconhecer que poderia ter sido muito melhor. Contudo, julgo existir consciência que num modelo com um regime fiscal próprio estes resultados são insuficientes para o financiamento da economia regional e sustentabilidade da RAM. Este alerta não é uma pedrada no coração da ideia . É um apelo e quase um pedido encarecido para que não se mate uma boa ideia. Começar bem não é irrelevante quando o que está em causa é uma ruptura profunda . Fazer bem, estudar profundamente, analisar a concorrência e perspectivar os mercados e os caminhos da fiscalidade europeia , desenhar cenários realistas para credibilizar as intenções da Madeira e procurar apoios estratégicos, sejam políticos, sejam académicos , sejam do sector privado , sejam da opinião publicada é essencial para sermos bem sucedidos .

Termino lembrando duas coisas e fazendo ( mais) duas perguntas . A primeira é que a base desta ideia é a experiência da zona franca, concretizar o objectivo na sua plenitude é matar o CINM em definitivo. A primeira pergunta é se já estamos em condições de colocar essa decisão em cima da mesa ?A segunda, tem a ver com as receitas fiscais : aceitando que o sucesso deste modelo está assegurado, a transição não é imediata , por isso é preciso negociar com o estado uma fase de transição em que as receitas alcancem, pelo menos, a média dos três melhores anos da região . Por outro lado, uma negociação para ser firme e bem sucedida não pode deixar de integrar a ideia que não há retorno, caso tudo falhe . É uma negociação de tudo ou nada pelo que a consistência dos negociadores e da proposta tem de ser robusta. A segunda pergunta é por isso a mesma : já estamos em condições de colocar essa decisão em cima da mesa ?

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