2021 ou O Lado B(om) da Vida
Prefiro projectar o futuro assente em tanta coisa que vivemos este ano e perceber que como sempre na Vida para uns ganharem invariavelmente terá que existir quem perca
Pensar numa retrospectiva num ano tão atípico e cinzento (para ser simpático) sentado numa cadeira ao lado da minha sobrinha Leonor pode soar incoerente. Por isso não o vou fazer. Prefiro projectar o futuro assente em tanta coisa que vivemos este ano e perceber que como sempre na Vida para uns ganharem invariavelmente terá que existir quem perca. A grande diferença deste para os últimos é que houve muita gente a perder ao mesmo tempo e que o medo, a indefinição a ansiedade e as limitações impostas, foram transversais a toda a população mundial. E se há quem veja este 2020 como um desastre de proporções épicas outros haverá que fizeram grandes negócios, que viram nascer filhos, encontraram o amor na situação mais improvável ou que se aproximaram de quem estava mais distante e que esta pandemia teve o condão de unir.
Mas agora é tempo de 2021! O Ricardo, diretor deste jornal ( que muito prezo e que considero um amigo ) dizia há uns tempos numa crónica sua e de forma simpática, que eu escrevia muitas vezes sobre o lado B da Vida. Eu acredito que para as gerações que estão a passar pela experiência do Covid haverá para sempre um antes e um depois cravado nas suas memórias. Assim sendo, este calvário que esperamos ter os dias contados, ensinou-nos muito acerca daquilo que são as nossas prioridades, sobre as nossas relações e os nossos relacionamentos, o que nos motiva e o que nos move. E mostrou-nos também com quem podemos contar, que aspirações devemos ter, redefiniu-nos alguns objectivos, amadureceu outros, e juntou-nos em volta de uma causa. A inexorável proximidade com a morte e o sabor doce e profundo de viver.
Talvez por isso e ainda não tendo o ano terminado existam já alguns estudos que indicam uma diminuição na taxa de suicídio em diversos países. Não foi por certo pela diminuição das dificuldades, motivos certamente que não faltaram para quem tinha metido essa na cabeça. Acredito que esta vontade quase sôfrega que as pessoas demonstraram em uníssono de se agarrarem à vida consumiu-as tanto que nem tempo nem vontade tiveram para querer acabar com ela. Este ano trouxe-nos isso. Uma vitória estrondosa da evolução da ciência a quem muito temos que estar agradecidos mas também a tantos anónimos que se sacrificaram para que nada nos faltasse. E o darmos valor ao que temos. Ao que não queremos perder de forma alguma. Essa maravilhosa arte de se ser para os outros, quase música, metade poesia. Os que nos ajudámos e os que nos ajudaram. Os que se protegeram sem se conhecerem e os que se tornaram cúmplices em simples idas ao supermercado.
Este ano que agora entra será por isso a altura certa para nos virarmos para o Lado B. O menos provável. O que ainda receamos e vemos com parcas expectativas. Assim como numa K7 de música, daquelas antigas, em que tantas vezes desgastávamos o Lado A até ao enjoo e só depois, já fartos e cansados, lá virávamos para uma surpreendentes descoberta. Que este seja de facto um ano de descoberta que tenha o condão de nos soltar a magia para além do firmamento. Que nos devolva as emoções positivas, os toques e os abraços, os beijos e os amassos. Que as carícias possam acompanhar os sorrisos e que nos possamos passear sem ter medo do toque. Será por certo uma sensação inigualável a do reaprender. Dizem que há coisas que nunca se esquecem mas também dizem que quando não se pratica enferruja. Perante as adversidades que nos acompanharam tomámos consciência como nunca do valor que o tempo tem para cada um de nós. De que não há tempo a perder. Que 2021 seja assim, viragem e uma viagem sensorial que nos surpreenda com o Lado B(om) da Vida. Nós, os sobreviventes. Nós que lutámos, que sofremos e nos adaptámos merecemos ser livres e felizes novamente. Não deixem de sonhar. A todos os que os me leem, a todos os leitores do DN e a toda a equipa, aos portugueses, ao resto do mundo, desejo um novo ano verdadeiramente maravilhoso e surpreendente. Cheio dessa fantasia que nos faz vibrar. Que se encontrem no Lado B(om) da Vida!