Violência armada continuará a ser o principal desafio de Moçambique
Analistas ouvidos pela Lusa apontaram a violência armada como um dos principais desafios do executivo moçambicano para o ano de 2021, salientando que os ataques começam a ameaçar os megaprojetos de gás no Norte de Moçambique.
"Como vimos recentemente, um simples incidente militar [próximo do local onde está a ser erguida a zona industrial de processamento de gás] paralisou o projeto. Portanto, não é preciso que haja um ataque direto contra as infraestruturas para que haja percalços e interrupções", declarou o jornalista moçambicano Fernando Lima.
Em causa está um ataque de rebeldes armados, no início do mês, contra a aldeia de Mute, a menos de 25 quilómetros das obras do maior investimento privado em África, da ordem dos 20 mil milhões de euros.
Para Fernando Lima, o incidente é um sinal da ameaça, num momento em que é visível que a violência armada em Cabo Delgado é um problema por resolver a longo prazo.
"Esta não é uma situação que vai desaparecer no próximo ano", frisou, destacando a importância dos contactos que Maputo está a encetar junto da comunidade internacional para mobilizar apoios.
Além da violência armada em Cabo Delgado, Fernando Lima aponta a gestão da covid-19 como outro desafio para o próximo ano, destacando que o executivo moçambicano reagiu em tempo útil, embora existam desafios no setor da saúde.
"O Governo reagiu em tempo útil a uma série de desafios em investimentos que eram necessários, mas a doença expôs um mau estar no país que mostra que o setor da saúde e das obras públicas não é um oásis. Entretanto, penso que o Governo deu uma resposta a situação de verdadeira calamidade, nomeadamente o acesso à água em centros de ensino que albergam centenas de milhares de crianças", declarou Fernando Lima.
Também para o diretor do Centro de Integridade Pública (CIP), Edson Cortez, a violência armada em Cabo Delgado vai continuar a ser o principal desafio do executivo moçambicano nos próximos anos, num momento em que a instabilidade começa a ameaçar os empreendimentos de gás.
"Se a instabilidade militar continuar a agudizar-se, as empresas ligadas à exploração de gás vão querer, legitimamente, recorrer ao argumento da insegurança nas suas operações. Isto terá efeitos no processo de arrecadação de receitas para o Estado", salientou Edson Cortez.
Segundo o diretor do CIP, o Governo moçambicano precisa travar os conflitos o mais rápido possível, lembrando que a guerra começou em Mocímboa da Praia e, três anos depois, estendeu-se por vários outros distritos da região.
"De um pequeno conflito, Cabo Delgado virou epicentro de uma guerra que o governo sempre tentou apresentar como um pequeno problema. Hoje sabemos que é um problema mais complexo. Não podemos ter mais um ano a ver a vida dos nossos concidadãos a deteriorar-se", afirmou Edson Cortez.
No que diz respeito à covid-19, Edson Cortez também considera que o país conseguiu resultados positivos no combate à doença, mas alerta que é preciso mobilizar apoios e parcerias para que o país consiga o mais rápido possível as vacinas.
"Se as vacinas anunciadas surtirem efeitos é mais uma luz de esperança para que a breve trecho a covid-19 fique para história. Mas isso também depende da capacidade de conseguirmos financiamentos ou doações. Caso contrário, teremos de nos aguentar com este novo normal, as pessoas devem andar mascaradas e garantirem o distanciamento, porque o país não tem condições para ir a um `lockdown´", declarou o diretor do CIP.
Adriano Nuvunga, diretor do Centro para Democracia e Desenvolvimento (CDD), também é cético quanto a resolução do conflito nos próximos tempos, considerando que Maputo está sem estratégias para fazer face à violência naquela província do norte de Moçambique.
"O Governo não tem uma compreensão da dimensão do problema e a sua resposta está a ser completamente insatisfatória. E esta falta de estratégias vai continuar a ser a nota dominante no próximo ano", disse Adriano Nuvunga.
Para o ativista, por um lado, a falta de estratégias para fazer face ao conflito é comprovada pelo facto de o Ministério do Interior (a polícia) estar na linha da frente do conflito e o Ministério da Defesa (o exército) em segundo plano, enquanto as autoridades assumiram que o país está perante uma "agressão externa".
"Esta é uma questão de agressão à nossa soberania e a entidade que tem de responder é o exército e não a polícia", declarou o ativista.
Por outro lado, prosseguiu Nuvunga, o alegado recurso a mercenários para fazer face aos rebeldes mostra também falta de capacidade.
Nuvunga também aponta a covid-19 como outro grande desafio do país no próximo ano, mas tem uma visão mais crítica sobre a gestão da doença pelo executivo moçambicano.
"Há um abuso dos recursos que foram disponibilizados para à covid-19. Se olharmos para aquilo que foi gasto e o que foi disponibilizado, na saúde ou na educação, nota-se uma grande discrepância. Por outro lado, não houve apoio no que diz respeito à proteção social. O setor informal, que alberga a maior parte das pessoas vulneráveis não foi apoiado, mas o setor formal foi apoiado, porque interessa ao executivo", declarou Nuvunga.