Crónicas

“Duas ou três coisas que eu sei dela”

... pois, meu caro, quem escreve por vezes arrisca no título um “isco” para a leitura, o título é de um filme de Godard de 1967, mas aqui a paráfrase é só para levar a conversa para outra matéria, “ela” tanto pode ser a senhora ministra das vacinas, como a própria vacina, num caso ou noutro talvez saibamos duas ou três coisas: por exemplo, que a senhora ministra terá dito numa entrevista que o risco de a operação de vacinação covid-19 correr mal era “zero”, o que não deixa de ser enfático demais, para não dizer que é ter mais olhos que barriga, sobretudo com o histórico um bocado esburacado destes meses de combate à pandemia, mais a consabida impreparação para a segunda vaga, mais o ziguezague de declarações naquelas penosas conferências de imprensa, mais a estranha falta de vacinas da gripe sazonal quando se fez campanha pelo seu uso, enfim, dia sem ministra a “declarar” não é dia, valha a verdade pandémica, até que, para compor o perplexo ramalhete das medidas, a conspícua DGS deixa “cair na rua” a ideia de que a vacina para a covid-19 iria deixar de fora o pessoal acima dos 75, uma ideia peregrina que só podia ter vindo de uma “comissão” à boa moda lusitana tardiamente nomeada para a logística dura do processo — importação, armazenamento, redes de distribuição, administração —, mas eis que os jornais rapidamente agarraram o filete noticioso das “prioridades”, com alguns comentadores a falarem, imagine-se, de uma ideia “eutanasista”, possivelmente queriam dizer “eutanazista”, ideia peregrina que desencadeou um clamor nacional, logo no mesmo dia “arrefecido” pelo nosso Primeiro twitando que “as vidas não têm prazo de validade”, e o Presidente a dizer que essa era uma “ideia tonta”, e por três vezes o repetiu, estaria ele a referir-se sabe-se lá a quem, uma vez que as ideias têm dono, pois então, e a politização da saúde neste período calamitoso tem sido uma pecha bem portuguesa, mas agora de facto a semana já seriou as prioridades, era o mínimo, embora atrasados como sempre, a Europa a urgir com o plano de vacinação e nós por aqui ainda a nomear comissões, alguns países já desenharam o plano e a estratégia há que tempos, mas planeamento não é o nosso forte, como veio a confirmar-se desde outubro com os picos da segunda vaga, ou com esta mortandade de novembro, ou com as falhas na vacinação sazonal após anos de experiência, mas, qual quê, estamos outra vez perante um problema português, obviamente a ministra das vacinas não pode ser a única culpada, uma incompetência nunca vem só, e agora que a vacina anti covid traz uma bolha esperança, não uma mas três vacinas possíveis, há que acender bem alta a luz ao fundo túnel, a Saúde é um bem demasiado precioso para ficar só na mão de políticos, é bom que o percebam — pois agora, caro amigo, a república socialista terá uma última oportunidade de mostrar que aquele “zero” de que falava a ministra há um mês não será um zero à esquerda, mas a boia de salvação possível face ao desastre: só a vacina — mesmo descontando as barbaridades “científicas” dos negacionistas — pode evitar mergulharmos sem remissão no dilema mortal entre saúde e economia, economia ou saúde, não morrer da doença e morrer da cura, triste dilema trazido pelo vírus global, e então haveremos de ver quem leva a melhor face à anunciada “terceira vaga” (que, dizem, já vem nos livros que o nosso Presidente terá lido)...

Fechar Menu