A atividade de bordar na Madeira remonta, com certeza, aos tempos do povoamento, uma vez que era praticada no continente português de onde eram sobretudo oriundos os povoadores. Até meados do século XIX bordava-se por três razões principais: as senhoras da nobreza por recreação e necessidade de preencher o tempo, uma vez que nada as obrigava a fazê-lo, e as mulheres de escalões sociais inferiores faziam-no para os seus próprios dotes de casamento ou por encomenda.
Este mester não se podia considerar uma profissão propriamente dita, porque ninguém se dedicava a ele a tempo inteiro, podendo, nos casos em que havia encomendas, receber-se alguma recompensa financeira ainda que essa atividade não fosse a única ocupação das mulheres que a praticavam.
Ser-se bordadeira é um ofício duro, meticuloso, lento, que requer grande precisão, bons olhos e umas costas resistentes, porque a posição em que se executa penaliza o corpo, e os rendimentos que permite nunca correspondem ao verdadeiro tempo e esforço que lhe é dedicado, mas mesmo assim, o bordado ocupou durante séculos um lugar importante no quotidiano das mulheres madeirenses.
A situação iria, porém, alterar-se na década de 40 do século XIX, quando uma jovem inglesa tomou uma iniciativa que viria a mudar definitivamente este cenário. Tratava-se de Miss Elizabeth Phelps, mais conhecida por Bella, precisamente para a distinguir da mãe, Elizabeth, que, por outras razões era também uma senhora importante dessa época, pois em conjunto com o marido, Joseph, era fundadora da escola lancasteriana.
Bella, filha de um casal empreendedor e abastado graças a negócios com vinhos, herdou dos pais o espírito destemido e decidiu fundar no Funchal uma escola de bordar que se aventurou na importação de tipos de pontos não praticados ainda na Madeira, a qual passou a ser frequentada por jovens madeirenses que, pela primeira vez, faziam uma formação mais estruturada naquela arte. Esta iniciativa abriu às jovens possibilidades de evolução técnica, e o resultado deste progresso foi mostrado numa exposição no Palácio de S. Lourenço, organizada em 1850 pelo governador para apresentar o melhor da produção regional. Esta mostra foi inaugurada em abril, mês registava a maior concentração de estrangeiros, e a estratégia resultou, pois na Grande Exposição Mundial de 1851, em Londres, o bordado foi exposto e deu nas vistas, o que seria determinante para o seu futuro.
A partir desse momento, o mercado alargou-se a uma escala internacional e começou a conquistar apreciadores em diversas partes do mundo, fomentando um outro tipo de produção, já mais voltada para maiores consumos. Esta diferença veio autorizar, até certo ponto, que o bordado passasse a ser encarado como uma ocupação profissional e praticado para além das horas vagas que anteriormente se lhe dedicavam.
O mercado internacional para o bordado era, porém, espaço de forte concorrência e o bordado de Madeira teve de se bater lado a lado com a Boémia, a Alsácia e a Suíça, por exemplo, o que obrigou a manter sempre baixos os custos da mão-de-obra, como se constata num relatório de 1863 que situa o valor recebido pelas bordadeiras em 100 reis, e o das outras profissionais femininas em 300.
Para além de devedor da intervenção inglesa no seu sistema de produção, o bordado da Madeira é também tributário da presença alemã que a partir dos fins do século XIX irá participar de forma significativa no setor. Assim, alguns súbditos germânicos vindos para a ilha por razões de saúde, acabaram por se interessar pelo assunto, e na viragem do século, 8 das 10 casas de bordados eram alemãs. A mudança de “tutela” no setor fez-se acompanhar de outras alterações que segmentaram o processo de produção, aproximando-o mais daquilo que eram as exigências trazidas pela industrialização em curso. Surgiram, assim, novas profissões que passaram a integrar o processo de trabalho: desenhadores, estampadores, intermediários entre as bordadeiras domésticas e as lojas de bordados e ainda a bordadeira de fábrica, completamente dedicada à profissão.
Os alemães introduziram ainda o uso do papel vegetal sobre o qual se faziam os desenhos, as máquinas de picotar, a estampagem em série e até outros tecidos e linhas. De uma primeira fase em que se utilizava sobretudo o linho, a cambraia e algum algodão, bordados a branco ou branco azulado, passou-se para o linho cru e a linha acastanhada que ainda hoje são apanágio de um certo tipo de bordado madeirense.
Em consequência destas alterações, o número de bordadeiras disparou, e das 1029 referenciadas em 1863, localizadas sobretudo no Funchal e em Câmara de Lobos, passou-se para 32 000 em 1906, já espalhadas por todos os concelhos, e para 60 000 em 1950, o que representava 21,2% da população total.
A I Guerra Mundial, contudo, abalou os alicerces da presença germânica na Madeira, e para o seu lugar no setor dos bordados vieram os sírios, com os quais o número de casas de bordados continuou a aumentar, passando agora para cerca das cem registadas em 1923.
Entretanto, outras modificações iam chegando, nomeadamente a do reconhecimento do trabalho duro, paciente e mal remunerado das bordadeiras: em 1894, José Júlio Rodrigues criou uma Sociedade de Proteção das Bordadeiras, e em 1907, as casas de bordados alemãs prodigalizavam às suas empregadas uma Caixa de Socorros.
Em 1935 foi fundado o Grémio dos Industriais de Bordado que disponibilizou àquelas profissionais novas escolas de bordado, protegeu a atividade com um selo de garantia de qualidade e disponibilizou, em 1961, trinta moradias para as profissionais e suas famílias.
A verdadeira dignificação profissional da classe, porém, só surgiu em 1976 com a fundação do Sindicato Livre dos Trabalhadores da Indústria de Bordados, Tapeçarias, Têxteis e Artesanato da Região Autónoma da Madeira, atualmente instalado no n.º 151 da rua dos Ferreiros, instituição que lutou pelos direitos das suas associadas e conseguiu obter para elas aumento de ordenado, subsídios de desemprego e melhor acesso à Segurança Social, entre outros benefícios.