Madeira

Contratação pública aberta a mais irregularidades

Flexibilização vem em sentido contrário ao desejado, na opinião de um vereador, que acredita que dará azo a mais esquemas

None
Foto Shutterstock

O ajuste directo e a consulta prévia foram as figuras mais usadas na Madeira em Novembro na contratação pública, representaram no passado mês de Novembro 71% do total e acentuam a tendência verificada ao longo deste ano, revela a manchete de hoje do DIÁRIO. No futuro este valor deverá aumentar, assim como as potenciais irregularidades proporcionadas pela flexibilização da lei da contratação pública, alertou um vereador de uma das câmaras da Madeira, sob reserva de identidade.

O valor definido para ajuste simplificado varia dependendo de se destina à prestação de serviços e aquisição de bens ou a empreitada. Em qualquer dos casos a compra é directa a uma empresa, sem consulta de outras ou abertura a todas as que se queiram apresentar ao fornecimento desse bem/serviço ou obra. Acima deste valor e num limite também estipulado na lei, as câmaras, juntas e restante sector público podem recorrer ao ajuste directo, mas com consulta prévia a três entidades, sendo escolhida a que melhores condições oferecer de entre essas. Tudo o que vá para além desses valores na aquisição pública implica a abertura de concurso público. Em alguns casos, sobretudo nas grande empreitadas ou em casos mais técnicos, é promovida uma qualificação prévia, uma forma de garantir que a entidade que vai ganhar o concurso tem conhecimento e meios para cumprir.

O vereador reconhece que há situações em que câmaras, juntas e empresas púbicas procuram contornar as limitações recorrendo por exemplo ao fraccionamento de despesa, ou seja, à divisão da compra em compras menores para a mesma finalidade ou equivalente, por forma a não ter de cumprir a consulta ou o concurso público. Mas alerta que esta é uma prática ilegal e não de simplificar o processo. “Há uma intenção”, afirma.

Segundo esta fonte, a situação vao continuar a existir e só pode ser combatida através de legislação ou fiscalização do Tribunal de Contas, que aplica multas a estas situações irregulares. Cada vez mais o TdC vem alertando para o não fraccionamento em despesas regulares, que em vez de serem adquiridas em parcelas devem ser adquiridas em pacote, com consulta ou concurso. A publicidade e manutenção são exemplos.

“Do ponto de vista administrativo até é mais simples, porque simplifica o processo, não tenho de estar sempre a fazer a consulta, faço uma requisição parcial e já tenho aquele valor cabimentado para o ano. O que acontece é há câmaras que fazem é o fraccionamento de despesa. O fraccionamento de despesa está claramente tipificado que é crime”.

Em caso de ser detectado, são responsabilizadas as direcções e os técnicos. “Antigamente só iam os políticos, agora também vão os técnicos que assinam”. O TdC quando cai, cai e não tem dó nem piedade”, garante.

É obrigatória a publicação de ajustes directos  e dos concursos públicos no portal Base. Os ajustes simplificados não são publicados. “Se não, não fazíamos outra coisa”, confessa o vereador, explicando que nos serviços, por exemplo, tem um valor até 6.750 euros e é usado sobretudo para coisas de última hora e aquisições pontuais.

Conta que se é uma despesa que o seu executivo sabe que vai ultrapassar o valor do procedimento simplificado no final do ano, prefere passar logo ao ajuste directo. “Não é só a questão da transparência, que também é importante. Em termos de trabalho administrativo, comprar uma coisa de 10 euros é quase o mesmo que comprar uma de 10.000. o processo burocrático é quase o mesmo.” Além disso, acaba por ficar mais barato.

Para evitar abusos e irregularidades, é preciso o TdC apertar a fiscalização. O vereador alerta para a flexibilização da lei que mudou este ano devido à covid-19 e que poderá levar ao aumento de situações irregulares. A lei anterior vinha do tempo da Troika, foi uma lei “que veio apertar bastante e veio limitar muito os esquemas”, analisou. “Na altura toda a gente criticou, mas foi uma lei que foi boa porque limitou muito e tornou mais transparente a situação. Recentemente, tem poucos meses, a propósito da covid e deste dinheiro que vai entrar, da ‘bazuca que virá da União Europeia, o Governo da República alterou a legislação e veio flexibilizar ainda mais, isso é que é o problema. Aí sim, vai começar a haver esquemas.” Segundo o vereador, basta invocar a covid para poder fazer “quase o que quiser”, até 20.000 euros, sem publicação obrigatória no portal.

Mau, diz, não é haver muitos ajustes directos publicados. Mau são os que não estão publicados. “Quanto mais publicado, melhor, pelo menos sabemos o que estão a fazer.” “Se não publica… o dinheiro está a sair, está a ser gasto nalgum sítio”.

A legislação se for aplicada protege e salvaguarda o interesse público, acredita. “Quanto mais mexerem na lei no sentido de flexibilizar, maior o risco”, alerta. Com a lei da fase da Troika, do ponto de vista da contratação “é muito mais difícil, mais complexo, os processo demoram mais mas está mais blindado. Não quer dizer que não haja esquemas, é sempre possível, quem quer fazer arranja sempre forma de fazer. Mas obriga a outro tipo de cuidados. Quanto mais abrir, pior. Porque vai ser mais o descalabro e vai voltar o problema de falta de controlo”, acredita.

Fechar Menu