Os “coitadinhos”…
1. Disco: com a “Festa” mesmo à porta, neste Natal atípico, tentemos dar-lhe a melhor das normalidades. No Spotify mora uma playlist de músicas que têm tudo a ver. Dá pelo nome de “Xmas Oldies”. Uma hora de música com Ella Fitzgerald, Andy Williams, Bing Crosby, Nat King Cole, Frank Sinatra e muitos outros. Fundamental para a época.
2. Livro: “Jesus Cristo Bebia Cerveja”, de Afonso Cruz, uma história de renúncia, sacrifício, abnegação, amor e… cerveja.
3. Começo a ter uma sensação de “dejá vu”. Uns a querer fechar o aeroporto, outros a culpar turistas e, mais grave, vozes a amaldiçoar os nossos estudantes e familiares emigrados que vêm, com todo o direito, passar o Natal a casa com os seus.
Este sanitarismo encardido motivado pelo medo de algo que se desconhece. Este medo que leva alguns de nós a acreditar em coisas sem sentido e sem ciência. Esta falta de conhecimento que alimenta xenofobias e um certo racismo social. São todos efeitos terríveis desta da pandemia.
Se da parte de quem de direito não temos clareza e assertividade, isto tende a ser cada vez pior.
Ouvir da boca do Presidente do Governo: “Têm de esperar pelo segundo teste (…). Coitadinhos não podem esperar cinco ou sete dias. Alguém vai morrer? Se o estudante vai para casa e está isolado até resultado do segundo teste (até sete dias após a chegada) há algum drama nisso?”, é triste, pois, são afirmações que chocam pela falta de sensibilidade. Bem sabemos que a ideia por detrás desta medida, do segundo teste, era a de criar dificuldades na vinda dos estudantes no Natal e confiar que ficassem, sossegadinhos, no sítio onde estão. Só não percebe isto quem não quer.
Estas declarações roçam o insulto. Roçam o insulto aos nossos jovens, roçam o insulto às suas famílias, roçam o insulto aos que tiveram de procurar fora o que aqui não lhes era proporcionado. É um destratamento ignóbil e imerecido.
Se o presidente do governo sabe de algo que não sabemos, se sabe da possibilidade de uma qualquer desobediência civil por parte dos nossos que voltam à terra, que também é deles, para passar a “Festa”, se sabe que as famílias fomentam o não cumprimento do determinado, que o diga com clareza. As suas funções obrigam-no a ser verdadeiro, a dizer a verdade.
Não aceito, acho mesmo inadmissível que Miguel Albuquerque trate os jovens estudantes regressados e os madeirenses emigrados como se fossem crianças atacadas de imbecilidade.
4. Mas há mais: é triste que o responsável máximo do Governo Regional não saiba da legislação que produz:
JORAM: Resolução Nº1032/2020 de 26.11.2020
Presidência do Governo Regional
“(…) Considerando que é de elementar e crucial importância para a contenção epidemiológica do vírus SARS-CoV-2, criar a obrigatoriedade da realização do segundo teste PCR de despiste ao SARS-CoV-2 entre o quinto e o sétimo dias, após a realização do primeiro teste PCR de despiste ao SARS-CoV-2, aos viajantes residentes na RAM que desembarquem nos aeroportos da Região Autónoma da Madeira, de voos oriundos de território fora da RAM, devendo garantir no período compreendido entre o desembarque e a realização do segundo teste, o isolamento profilático no domicílio e o integral cumprimento da vigilância e auto reporte de sintomas e das medidas de prevenção da COVID-19...”
Então como é? Os dias contam desde o primeiro teste, conforme está na Resolução da Presidência do Governo e foi aconselhado há semanas por Miguel Albuquerque, ou desde o dia da chegada, conforme vontade do Presidente do Governo.
Isto já parece a rábula da Ivone Silva sobre a Olívia patroa e a Olívia costureira…
p.s.: diz por aí que até há deles que nunca receberam a notificação para efectuarem o segundo teste. Mas deve ser só “uma falha ou outra”…
5. Já não é segredo que tenho “O Triunfo dos Porcos”, de George Orwell, como um dos meus livros de eleição. Porque acho os mandamentos do Animalismo uma preciosidade, deixo-os aqui:
1. Tudo o que anda sobre duas pernas é um inimigo;
2. Tudo o que anda sobre quatro patas ou tem asas é amigo;
3. Nenhum animal deve usar roupas;
4. Nenhum animal deve dormir numa cama;
5. Nenhum animal deve beber álcool;
6. Nenhum animal deve matar outro animal;
7. Todos os animais são iguais.
Mais tarde, Napoleão, e os seus porcos, reescrevem secretamente alguns mandamentos para assim se livrarem das acusações de violação da lei. Os mandamentos alterados ficam assim:
4. Nenhum animal deve dormir numa cama com lençóis;
5. Nenhum animal deve beber álcool em excesso;
6. Nenhum animal deve matar qualquer outro animal sem justa causa.
E tudo termina com a alteração do último mandamento:
7. Todos os animais são iguais, mas há uns que são mais iguais do que outros.
6. Anda por aí uma tendência facilitista que tenta meter liberais e conservadores no mesmo barco, como se da mesma coisa se tratasse. Começa a ser “normal” confundir liberais com conservadores e nada é mais errado. É possível ver isso, por exemplo, em recentes declarações do líder de um partido regional conservador, que agora se assume como liberal, como se a questão económica, só por si, fosse suficiente. Agarrar o “liberismo”, não faz de ninguém um liberal.
Em política objectiva, liberais e conservadores discordam completamente, havendo somente pontes na vertente económica, pois os últimos adoptaram, a partir de certa altura o liberalismo económico. E só isso não chega.
Liberais e conservadores são antagonistas. Deixando a questão económica de lado, os conservadores baseiam os seus princípios na tradição, nos costumes e na continuidade. Há um histórico sustentado por uma “ordem moral”. O liberalismo surge como oposição àqueles que queriam conservar a velha ordem. Originalmente os conservadores eram mercantilistas e as ideias de Adam Smith são, precisamente, para combater esse mercantilismo proteccionista. Ao “estagnatismo” e ao imobilismo conservador, Smith propõe um novo modelo em que a alavancagem social é o mote para uma vida melhor.
Apoiar o pensamento político nos costumes e na tradição, como o fazem os conservadores, é apoiar-se numa coisa que pode ser boa ou ser má, é ficar cristalizado no tempo. Para um liberal, um costume que infringe a justiça e a liberdade tem que ser mudado. Para um conservador há sempre uma desculpa para o não fazer.
As instituições sociais estão em constante mudança adaptando-se aos tempos, num processo evolutivo e dinâmico. Isto é aceite pelos liberais e só a muito custo pelos conservadores. O existir, por si só, não pode ser travão de dinâmicas. É ao todo social, de que fazemos parte, que cabe escolher o caminho a seguir. E uma coisa é certa, não foi agarrados ao passado que chegámos aqui.
A tradição serve para amarrar tudo a um argumento imobilista, para um liberal a liberdade de romper com esta está acima de tudo. Um conservador acredita na ordem instituída e um liberal crê na ordem espontânea. Um liberal olha para o futuro e não há nada menos conservador do que um liberal.
7. E aqui chegados, a este tempo de celebração, não há pandemia que nos impeça o sermos solidários, não há isolamento que nos apague a amizade, não há máscara que nos impeça o beijo imaginado, nem distanciamento que nos evite o abraço adiado.
Um bom e santo Natal para todos.