Análise

Incoerências a mais

Começa a ser dramático ter a sensação que há menos firmeza e algo escondido

Numa altura em que a pandemia atinge máximos históricos na Região, em que os surtos começam a ser notícia, em que os lares ficam desprotegidos e em que os estudantes, emigrantes e turistas chegam em força, eis que a barraca abana e o chão começa a fugir. As contradições e incertezas indisfarçáveis surgem em declarações públicas dignas de reparo. Não são inéditas, mas agora ganham outros contornos, preocupantes, pois indiciam que nem tudo vai bem no território dito controlado e que necessita já de medidas mais restritivas.

Notamos manifesto eleitoralismo no debate em torno do Orçamento da Região. Era dispensável. O povo que desespera por soluções práticas que atenuem os impactos da crise sem precedentes dispensa algazarra e umbiguismo, já focado no sufrágio autárquico marcado para 2021, nas possíveis conquistas, em alguns ajustes de contas e nos eternos favores que dão votos.

O mundo real precisa que os políticos se sujem com o que interessa. É que por vezes deixam transparecer que não fazem a mínima ideia do que se está a passar, alheamento que, para além de grave, é ultrajante, e noutras manifestam incapacidade para inverter situações dramáticas, o que comprova incompetência qualificada. Um amigo confidenciava-nos esta semana que alguém seu conhecido ganha actualmente uma esmola de 93 euros mensais que não dão para honrar os compromissos assumidos; que um camarada de luta recebe 2 euros à hora, menos de metade do que arrecadava antes da pandemia; que a vizinha dita trabalhadora independente, apesar de ter tratado de toda a papelada exigida, ainda não viu um cêntimo que o governo garantiu dar aos que passam recibos verdes.

Esta gente existe e não tem tempo de antena. E é por isso que há uma revolta para já contida, porque há medo e fome, mas que pode ganhar outros contornos se o tribuno gabarolas, seja ele de que cor for, continuar a papaguear em vez de ouvir, a burocratizar em vez de descomplicar, a prometer em vez de agir.

Notamos Miguel Albuquerque menos firme nas questões que exigem determinação. Numa questão básica – a dupla testagem, muito bem pensada do ponto de vista da saúde pública, mas assumidamente com “falhas” – optou por ignorar a resolução que assinou e alterou as regras em vigor quanto a prazos para os que chegam com teste negativo porque finalmente percebeu que a logística dos testes é brutal e não há meios humanos e técnicos para testar milhares de pessoas por dia nesta quadra natalícia. E agora? É para dizer aos residentes que não voltem à sua terra pois mesmo chegando com teste feito e negativo vão passar uma semana isolados, correndo o risco de regressar à casa da partida sem o segundo teste feito e, pior, sem terem cumprido aquilo que os trouxe à Região?

Notamos um executivo muito empenhado com as questões orçamentais e menos atento a aspectos que merecem cuidado acrescido, como por exemplo, com a comunicação assertiva. O presidente do Governo vai falar aos madeirenses, segunda-feira, às 17h, para anunciar as novas medidas a vigorar na quadra natalícia e no fim-de-ano, isto depois de ter passado a semana a garantir que não vai mexer em mais nada relacionado com a festa. Um amigo tencionava vir à Região ver o fogo, mas já desistiu. Avisar quatro dias antes para uma conferência de imprensa onde o que já foi dado como adquirido pode estar em causa é pasto para a especulação.

Notamos facilidade na culpabilização que nada resolve e que nem todos os alertas e conselhos partilhados de forma séria e responsável merecem respeito e consideração.

Nunca foi tão fácil enxovalhar quem se atreve a ter opinião própria sobre os contornos do novo coronavírus e suas implicações no modo de vida individual e colectivo, mas mesmo não havendo transmissão comunitária declarada na Região, apesar de tamanha probabilidade ser elevada, importa valorizar quem recomenda prudência nos gestos e observância severa pelas regras básicas, destinadas a evitar males maiores.

Que o Natal não seja por isso motivo para estragar o esforço feito em nove meses, por muito intrusivas que sejam as dicas das autoridades de saúde, por muito duras que sejam as privações, por muito que seja evidente o desespero, a falta de afectos e algum desnorte. Este ano, se formos exemplarmente cumpridores seremos felizes. Tudo o resto atentará contra o esplendor da quadra, por muito que nos custe.

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