Dívidas pagas com monumentos
- Está aberta a audiência.
- O Sr. Engenheiro tem a noção do quanto é grave a sua situação?
- Pelo que fiz, tenho consciência da gravidade, Sr. Dr. Juiz.
- O Sr. Engenheiro é o Administrador-Presidente da conhecida empresa “Câmara Ardente” que é muito boa recebedora, mas muito má pagadora.
- O Sr. Dr. Juiz tem razão, mas para tudo na vida há uma explicação.
- Explique, então, por favor, o que o leva a não pagar a certos credores.
- O Administrador principal, quando viu que as coisas já andavam mal, (habilmente) deu o “salto” e obrigou-me a tomar conta do “barco”.
Coisa que eu fiz de bom agrado, mas consciente de que não estava devidamente preparado.
- Claro. E a sua impreparação levou ao agravamento da situação.
- É como diz, Sr. Dr. Juiz.
- Só que a dívida está a correr e o que me interessa saber é como o Sr. a pretende resolver.
- Nunca disse nem direi que não pago, mas como não tenho o dinheiro pretendo entregar como fiança a Estatua do Gonçalves Zarco!
-Mas quem se julga o senhor que é, por dívidas, presumivelmente, causadas por uma má gestão, poder hipotecar os bens públicos `a revelia da população?
- O Sr. Dr. Juiz talvez não tivesse lido com atenção, mas isso consta na Constituição, no artigo quatro milhões, duzentos e cinquenta e nove mil e trezentos, barra, reticencias, travessão.
- Que um Administrador ou Presidente de um Conselho de Administração, por suposta impreparação ou outra qualquer razão, possa pagar dívidas da Empresa, hipotecando imóveis e monumentos da sua região?
- Exatamente como diz, Sr. Dr. Juiz.
- Vou confirmar. E como pensa pagar as dívidas constantes nestes outros processos?
- Que o tribunal aceite por fiança o miradouro do Pico dos Barcelos!
- Estou a ver que o melhor para isto terminar, é o Sr. Engenheiro me dizer quantos imóveis e monumentos tem ainda para hipotecar.
- Tenho a Empresa Frente-Mar…
- Perdão, antes de continuar, quero lembrar V. Excelência que o tribunal não aceita empresas em pré-falência.
-Claro, tem razão. O Sr. Dr. Juiz que aponte, por favor, que dou também como garantia o Mercado dos Lavradores. E o cemitério de São Martinho ou o de São Gonçalo. Estes, deixo, contudo, à escolha dos nossos credores.
- Muito bem, Sr. Presidente da empresa “Câmara Ardente”.
A audiência está encerrada, mas antes de sair eu gostava de lhe dar uma palavra.
- Sim, Senhor. Vossa excelência pode falar, por favor.
- O Sr. Engenheiro se, por acaso, tivesse enveredado pela política e, por coincidência, chegado a Presidente do Governo Regional seria um caso sério para Portugal.
- Desculpe, Sr. Dr. Juiz, mas não vejo onde estaria o mal.
- Quando o País pensasse que a Madeira (ainda) era sua, provavelmente já estava hipotecada até aos nomes das ruas.
- Penso que não, mas não posso dizer também que o Sr. Dr. Juiz não tem razão.
- Boa tarde, Sr. Engenheiro, até uma próxima ocasião.
Juvenal Pereira