Crónicas

O bom, o mau e o solitário

A candidata que começou por ser socialista, passou a social-democrata e acabou autoritária, quando disse que não daria a posse a um governo com maioria parlamentar

À presidência dos afetos, seguem-se as presidenciais dos afetados. Entre eles, a candidata que jurou que o MRPP, onde militou, tinha uma agenda pela democracia. Esqueceu-se que essa agenda incluiu o sequestro e a tortura de quem julgava traidor. Tudo em nome do povo, claro! Mas temos mais. O candidato que confessou que teria sido Deus a confiar-lhe a missão de transformar Portugal. A candidata que começou por ser socialista, passou a social-democrata e acabou autoritária, quando disse que não daria a posse a um governo com maioria parlamentar. E, por fim, o incumbente que prometeu ser exatamente o mesmo que avançou há cinco anos. Mas será o mesmo que, em 2014, dizia que 10 anos, para um Presidente, era tempo demais?

O bom: Museu de Fotografia da Madeira

Atravessar a pequena porta de entrada do Museu de Fotografia da Madeira é esgueirar-se para um tempo que não é o nosso. O tempo distante das fotografias que teimam em preencher todos os espaços do museu, como se a lembrar-nos da vida que ali se fez. O mesmo tempo das pedras de calhau rolado que nos levam ao átrio de entrada. Ali, a imponente escada central esconde um acesso estreito e inclinado, também ele de outro tempo, que revela, timidamente, o coração do museu. Primeiro, a sala de espera, onde se escolhia o cenário, os adereços, as poses, e, depois, o estúdio de fotografia. Naquele tempo, tirar uma fotografia era um ritual demorado, restrito e complexo, quase que oposto ao ritmo vertiginoso das nossas selfies. Então, escolhia-se o cenário, entre as paisagens românticas e os interiores requintados, o mobiliário, construído pela própria família Vicente, enquanto se estudava a melhor pose a partir de um, inusitado, álbum de fotografias encastrado numa escrivaninha de madeira. Nas traseiras do estúdio, o museu continua, abrindo-se e fechando-se, em pequenas divisórias que nos mostram mais fotografias e outras curiosidades desse mundo. No Museu de Fotografia da Madeira, o tempo fixou-se por milagre da objetiva e conta-nos, agora, 180 anos da nossa história e da história de quem nos visitou. Mas o museu não se faz só de fotografia, faz-se também de quem lá nos recebe e aponta de imediato, com dificuldade em esconder o orgulho, para o Prémio Museu do Ano 2020, atribuído pela Associação Portuguesa de Museologia. Ao Filipe Bettencourt e a toda a equipa do museu, o reconhecimento do prémio é, principalmente, ao vosso trabalho.

O mau: Eduardo Cabrita

Ihor Homeniuk vinha para Portugal trabalhar. Tinha mulher e duas filhas menores. Morreu numa pequena sala no Aeroporto de Lisboa, às mãos de três inspetores do SEF. Com ele, naquela sala sem lei, morreu também um pouco do Estado. Morreu não só porque falhou, mas porque demorou nove meses a assumir o falhanço. Ao longo desse ignóbil silêncio, foram caindo, um por um, os responsáveis pelo destino de Ihor. Primeiro, os seus carrascos, depois os responsáveis pelo SEF no Aeroporto e, por último e a muito custo, a Diretora do SEF. Mas, no topo desta grotesca pirâmide de impunidade, permanece, inamovível, o principal responsável político pelo SEF: Eduardo Cabrita, ministro da administração interna. A sua demissão seria o principal sinal de que o Estado assumia a responsabilidade pelo que deixou acontecer. A sua continuidade, apadrinhada por António Costa, é a certeza que tudo ficará como dantes. E essa é a verdade inconveniente da morte de Ihor. O Estado deixou de nos proteger e passou a proteger-se de nós. Passou a proteger personagens insustentáveis, como Eduardo Cabrita, que apenas se aguentam no Governo à custa da amizade que mantêm com o primeiro-ministro. A mesma razão pela qual foram escolhidos. Foi assim com Constança Urbano de Sousa e Pedrógão Grande, com Azeredo Lopes e o paiol de Tancos. Todos falharam e todos foram protegidos, até elogiados. Mas até aí, Cabrita superou os seus colegas de governo. Numa sórdida conferência de imprensa, o ministro declarou-se o primeiro defensor dos direitos humanos em Portugal, herói na luta contra os incêndios e, ainda, grande responsável pela recandidatura de Marcelo. No final, lembrou-se de propor um botão de pânico para as salas do SEF. O que lhe fazia falta era um botão de vergonha.

O solitário: Paulo Cafôfo

Por entre o boletim meteorológico e a análise desportiva, Paulo Cafôfo anunciou o apoio incondicional à recandidatura de Marcelo Rebelo de Sousa à Presidência. O anúncio, feito em toque de alvorada, mas ao ritmo de canção de embalar, não encantou os socialistas regionais. O líder parlamentar apoia Ana Gomes, entre os deputados arranjou-se mandatária para a candidata e até os afastados do último congresso juntaram-se pela alternativa a Marcelo. É óbvio que o presidente do PS é livre de apoiar o candidato que quiser, mas a liberdade de voto, e de opinião, justifica muito pouco. Especialmente, quando a escolha do presidente coloca em causa o passado do partido que lidera. Cafôfo atreveu-se, ao que nem António Costa arriscou. E fê-lo, aparentemente, sem qualquer condição, como, com astúcia, até Albuquerque exigiu a Marcelo. A questão é óbvia. Para além de Cafôfo, haverá mais alguém no PS Madeira que apoie Marcelo?

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