Cristina da Cunha, nascida ainda no século XIX, em 1897, vai demonstrar-se uma das mulheres mais notáveis do panorama madeirense e nacional do século XX ao apostar numa carreira na área da medicina e ao defender o direito das mulheres à educação e a um papel ativo na sociedade e na política.
Filha de Jorge da Cunha, militar e, mais tarde, enfermeiro no manicómio, e de Cristina Cândida da Cunha, 1.ª enfermeira na mesma instituição, naturais de São Jorge, Santana, Cristina da Cunha nasceu no Funchal, onde os pais residiam aquando do nascimento da filha. Moradores na Rua de Santa Maria Maior, n.º 27, 2.º, batizaram a filha a 20 de dezembro, tendo escolhido como padrinho de batismo Manuel Inízio da Costa Lira, filho de um conhecido comerciante do Funchal. Os pais foram, na altura, dispensados do pagamento de selo por poucas posses. Este facto pode levar à hipótese de que ao padrinho se terá devido algum incentivo e ajuda no que toca ao percurso escolar e formação universitária de Cristina da Cunha.
Depois dos estudos universitários no Funchal, Cristina da Cunha ingressou na Universidade de Coimbra no ano letivo de 1917-1918 para iniciar os estudos preparatórios médicos. Graduou-se em medicina em 1923 e concluiu o seu percurso académico com o doutoramento em 1925 com a defesa da tese intitulada Sobre o Estudo Estatístico e Toxicológico dos Envenenamentos pelo Arsénio que viria a publicar nesse mesmo ano. Exerceu clínica, quando residente na Madeira, segundo Luís Marino (“CUNHA, Cristina” in Panorama Literário do Arquipélago da Madeira, (datilografado) v. 2 fl. 69), na “Drogaria Insulana”, na Estrada do Conde de Carvalhal. Especializou-se em doenças de senhoras e crianças e, quando se mudou para Lisboa, foi médica interna do Hospital de São José.
Além da sua atividade na área da saúde, dedicou-se ativamente à defesa dos direitos femininos e fez parte do Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas durante mais de duas décadas. O CNMP foi a mais importante associação feminista portuguesa da primeira metade do século XX, tendo fomentado, num período difícil e adverso às atividades em prol da causa feminista, o associativismo. Fundado em 1914 por Adelaide Cabete (1867-1935), o Conselho Nacional foi dissolvido em 1947 pelo Estado Novo, mas enquanto funcionou, sem condicionantes religiosas ou políticas, reuniu as várias agremiações femininas que tinham como preocupação a mulher e a criança, realizando congressos, seminários e apresentando petições ao governo. Cristina da Cunha, ao lado de figuras como Branca Lopes, Célia de Almeida Leite, Noémia Neto Ferreira e Maria Lamas, lutou pelo direito da mulher à educação, à formação profissional, ao trabalho, à igualdade social e de trabalho e pelo direito ao voto. Desempenhou funções diretivas na Comissão de Higiene (1927-1945) e de vogal da direção dessa comissão (1945-1946), quando era presidida por Maria Lamas (1893-1983).
Cristina da Cunha também colaborou na revista Alma Feminina, que pertencia ao Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, com diversos artigos de informação sobre higiene, saúde escolar e toxicologia. Publicou o texto Escolas ao ar livre em Portugal (Lisboa: [s. n.], 1932), demonstrando a sua preocupação com a educação das crianças e a higiene e revelando um pensamento moderno sobre as metodologias de ensino.
O percurso de Cristina da Cunha é notável: de primeira mulher madeirense doutorada em medicina a ativista da causa feminina e impulsionadora de novas ideias, pode ser considerada como exemplo do novo espírito que animou a alma da primeira vaga do feminismo em Portugal, que tornou visível as principais reivindicações das mulheres portuguesas, incluindo a obtenção do direito de voto (concedido de forma plena só em 1974) e dos seus direitos educacionais, sociais e jurídicos.
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