Descrença na resposta financeira do Plano de Acção para a Democracia
Há uma crença que o Plano de Acção para a Democracia (PAD) apresentado pela União Europeia com uma série de medidas fará a diferença em algumas questões como a segurança dos jornalistas, mas que em termos financeiros não é a resposta necessária para enfrentar as dificuldades por que passam os meios de comunicação social em Portugal. É a conclusão do debate promovido esta manhã a quatro sobre o documento destacado um pouco antes pela vice-presidente da Comissão Europeia Vera Jourová.
Antes da comissária, a sessão de abertura contou com a intervenção de Francisco Pinto Balsemão, que sublinhou no dia em que a Associação Portuguesa de Imprensa (API) celebra 60 anos a necessidade de “separar o trigo do joio”. O co-fundador, por ocasião da abertura da conferência online ‘Luta Contra a Desinformação’, alertou ainda para a necessidade de acreditar numa imprensa livre, que informe com independência e que cumpra o código deontológico.
Mafalda Anjos, directora da Visão, acredita que a Democracia está sob ameaça e que as redes sociais, com o aumento da desinformação, dos extremismos e das mensagens de ódio; e as dificuldades económicas, agudizadas pela pandemia, contribuem para aumentar esse risco. É fundamental na sua opinião “um controlo efectivo para as redes sociais que impeça que estas se transformem em terrenos férteis para desinformação e extremismos”. As mentiras, a raiva e a desinformação propagam-se muito mais rápido e rendem muito mais, acrescentou a jornalista. “Se não for travada elas não se vão auto-regular, a não ser que seja mau para o seu negócio.”
O PAD vem no sentido de combater as fake news e dar apoio aos jornalistas que estão sob ameaça em locais onde o espaço de direito está em risco, reconheceu Henrique Burnay. Mas “não resolve o problema fundamental: precisamos de ter bons meios de comunicação social”, afirmou o consultor em assuntos europeus, acrescentando que é preciso questionar se Portugal incluiu no Plano de Recuperação e Resiliência, a tal ‘bazuca europeia’, verbas para os media. Na sua opinião, não.
Na opinião de Burnay, não há um caminho de resposta às pressões económicas e defende a necessidade de manter os meios de comunicação social com a pluralidade de uma Europa a 27 e com 22 línguas.
Os mecanismos previstos no PAD são muito no sentido de facilitar o acesso ao crédito. Habitualmente o consultor é mais favorável a este modelo do que ao de subsídio, mas não no casos dos meios de comunicação social, sobretudo os locais. “Temo que não resolva o problema”.
Tem dúvidas também que o programa para o digital vá ao encontro dos meios mais tradicionais e sente que há o risco de usar instrumentos desadequados para a realidade local. É preciso compreender que há níveis diferentes de literacia digital e músculo financeiro nas empresas de comunicação social, lembrou.
Audrius Perkauskas é elemento da Comissão Europeia, sublinhou que a Democracia tem um papel muito mais visível e é uma prioridade para esta presidência. Deu como exemplo a publicação pela primeira vez no relatório sobre o Estado de Direito inclui a liberdade dos media e o pluralismo.
O membro da unidade de Política de Serviços de Audiovisual e Media ressalvou o trabalho do PAD no sentido de dar segurança aos jornalistas, alguns atacados mesmo em países membros, sendo o relatório um instrumento para diagnosticar problemas no sentido depois de analisar e encontrar soluções.
Quanto ao financiamento, apontou que mais dinheiro será encaminhado para promoção da liberdade de imprensa e pluralismo, nomeadamente o ‘Greater Europe’, inicialmente para cultura e produção audiovisual, no próximo ano estendido também a projectos nesta área.
“Uma gotícula, foram estas as palavras usadas por Jorge Castilho para classificar os menos de 4 milhões de euros previstos para apoiar os muitos meios de comunicação dos vários países da UE.
Há 50 anos, quando começou no jornalismo, a realidade era completamente diferente, a rádio dizia, a televisão mostrava e os jornais explicavam, contou. “Hoje está completamente alterado, não há destrinças entre os meios.” E há ameaças concretas à qualidade do jornalismo, alertou o director da API, que defendeu a necessidade da comunicação social de arranjar fontes alternativas de financiamento.
Uma das ameaças relevadas é o tempo, que por um lado exige imediatismo, que coloca pressão sobre os jornalistas para serem os primeiros a chegar, e por outro ao pedir celeridade compromete a qualidade, o rigor. “O jornalismo de qualidade exige tempo para investigar, para relacionar e divulgar”. É uma das grandes dificuldades no seu entender e “não há plano que possa anular”.
Mafalda Anjos compreende o que diz Castilho, vive na pelo. Diz que faz sentido fazer jornalismo se não houver investigação e conteúdos próprios. “E é preciso tempo, dois, três meses dedicados a uma história”.
A directora da Visão é céptica em relação aos apoios, até porque há uma diferença entre planos e a chegada efectiva das verbas ao terreno, às empresas. E não só. O programa pretende financiar a digitalização e transformação do sector mas através de empréstimos. “Não é a solução mais vantajosa e não resolve o problema estrutural”, ainda que seja melhor do que nada, na opinião da directora.
Mafalda Anjos abre as contas da Visão para revelar que a publicidade é uma fatia gigante das receitas deste órgão de comunicação social e que “quando gigantes tecnológicos abocanhas, fica complicado”. Por isso, no que diz respeito às verbas, vai esperar para ver.
Henrique Burnay analisou a questão sob outra perspectiva, diz que parte do problema é o financiamento ser para a transformação e não para a resistência, que no seu entender faz falta neste momento. “A diferença é que temos tido apoios de emergência para a transformação, falta para a crise que vamos estar a viver”. E recorda que as empresas nem sempre estão em condições de inovar quando estão a resistir. “Não se caia na ilusão de que há muito dinheiro neste programa”.
Jorge Castilho chamou a atenção para os órgãos de comunicação regionais, que passam por grandes dificuldades, com falta de recursos. E lamentou que a compra antecipada de publicidade por parte do Estado tenha sido mal interpretada, quando o objectivo era proporcionar um balão de oxigénio.
No seu entender, há também excesso de burocracia, um entrave mesmo quando há programas, o que leva a que as verbas demorem a chegar às empresas e quando chegam, “já não existem, a capacidade de resistência finou-se”.
O representante sublinhou a importância de sensibilizar mais e melhor o poder político para esta luta de quem faz da informação o seu dia. “A API está há anos a fazer a ‘Via Sacra’ até à Assembleia da República. Os efeitos são praticamente zero”. Este ano, acrescentou, foi o primeiro em que algumas preocupações do sector foram levadas a plenário, mas sem efeitos no Orçamento de Estado. É preciso, defendeu, “passar das boas palavras para o reconhecer com actos, criar as condições necessárias para a comunicação social exercer o seu trabalho”.