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Desinformação não vai acabar

Abordagem ao problema deve ser diferente, concluiu painel dedicado à literacia mediática

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A desinformação nas redes sociais não vai acabar e importa sobretudo mudar de paradigma e a forma como o problema está a ser tratado, a começar pelas questões que são colocadas, defendeu Gustavo Cardoso, um dos oradores do painel ‘Literacia Mediática e o Digital. Onde estamos?’, que decorreu esta manhã, integrado nos 60 anos da Associação Nacional da Imprensa. “Para resolver o problema das notícias falsas é preciso colocar questões diferentes das que se colocam actualmente”, defendeu presidente do OberCom - Observatório da Comunicação e docente do Iscte-Instituto Universitário de Lisboa.

Hoje uma pessoa informada é a que acede aos meios de comunicação social ou é a que pesquisa e encontra aquilo que lhe interessa, e não são apenas notícias? O investigador lembra que o universo da informação é mais vasto e vai para além dos media e que os programas de literacia têm um modelo fechado. “Todas as questões de literacia vêm do mundo central do jornalismo, para ajudar os mais novos a perceber as notícias feitas por jornalistas. O que queremos dizer é que há outras coisas feitas por outras pessoas”.

Do painel em que participaram ainda Joana Gonçalves Sá, do Instituto Superior Técnico, e Rui Marques, vice-presidente da Acepi - Associação Economia Digital, sob a moderação da jornalista Catarina Carvalho destacou-se a certeza de que é preciso combater a descrença geral. Joana Gonçalves Sá frisou a importância de passar de uma confiança básica, pouco reflectiva, baseada no desconhecimento, para uma crença a partir do conhecimento, sem que pelo meio as pessoas deixem de acreditar em tudo.

Segundo os estudos que tem desenvolvido, as pessoas acreditam com base na confiança própria e por via da confiança nas instituições, sendo que a primeira pode levar a que defendam conteúdos que desmentem os factos, ou seja informação falsa, como acontece com os adeptos dos clubes, em que a paixão clubística leva a rivais afirmem coisas completamente opostas sobre um mesmo acontecimento.

Rui Marques acredita que de uma forma global Portugal nem está muito mal, diz que tem crescido a capacidade de resiliência, de combate à desinformação e que a confiança nos meios de comunicação social é crítica neste campo.

A desinformação não é um problema recente, é um problema que foi ampliado com o advento das redes sociais, recordou Joana Gonçalves Sá. “Sempre houve o louco da aldeia”, só que antigamente as populações conheciam o louco e identificavam-no enquanto tal. Por vezes juntavam-se os loucos e havia um pequeno movimento. Hoje com as redes sociais é mais difícil de identificar o ‘louco’ e mais fácil de dar voz aos pequenos movimentos.

A idade é um dos factores que tornam as pessoas susceptíveis à desinformação, sendo os mais novos menos permeáveis. Falta saber a razão. “Não é claro se conseguem identificar ou se são tão críticos que não acreditam em nada”. Se for esta última hipótese, o problema é semelhante, acredita a investigadora.

Gustavo Cardoso acredita que há uma faixa grande da população para quem a literacia nunca vai resolver o acreditar em notícias falsas. “A pandemia mostrou que há pessoas que têm necessidade”, afirmou, precisam delas para manter o seu quotidiano quando tudo à sua volta está a ser destruído. Estas pessoas desvalorizam o factual “para se manterem vivas e sãs enquanto indivíduos e não entrar em desespero.”

No desporto e particularmente no futebol o que interessa é o que cada um acha. Este crer no que se quer e não no facto é bem visível. “Acreditam nas notícias falsas porque a paixão sobrepõe-se própria razão” e por isso há uma necessidade acrescida de cuidados, frisa Rui Marques, ligado também à Confederação do Desporto de Portugal. “O desporto facilmente pega fogo e temos de ser muito isentos”.

Na política, em período de pandemia no início todos diziam mais ou menos a mesma coisa. Com o passar do tempo e o aumento do cansaço começou a circulação e aproveitamento de discursos por parte das pessoas, mesmo que não admitindo tinham retensões políticas. “A pandemia é uma situação atípica, por ser pandemia e por permitir que as notícias falsas e a desinformação se espalhem para fora da política. Juntou-se a tempestade perfeita, a possibilidade de trazer tudo isto para a política novamente”, analisou o presidente do OberCom.

A desinformação política é que tem mais visibilidade, mas há desinformação na saúde, na nutrição e na criação dos chamados mitos urbanos. Joana Gonçalves Sá acha particularmente interessante a opinião criada rapidamente à volta da pandemia, “que veio do nada”. Se a questão clubística vem quase do berço e a da política é construída ao longo do tempo, o mesmo acontecendo com a religião, neste caso há um ano ninguém tinha opinião sobre o uso da máscara ou o distanciamento social. “E vê-se na mesma a polarização”. “A confiança em si cresce mais rápido que o conhecimento que tem do tema, mesmo que haja factos”.

O basear a opinião muito na opinião pessoal e pouco no conhecimento aumenta o risco de criar uma sociedade muito crítica e pouco conhecedora, alertou. “É óbvio que queremos que as pessoas tenham opinião, que estejam informadas. Mas se sobrestimam o que conhecem, temos um problema”.

Para Joana Gonçalves Sá é importante preencher a lacuna existente em termos de legislação relativamente às grandes plataformas e empresas tecnológicas. “É preciso regulamentação e sistemas de travão” e de preferência que impeçam a publicação ao invés de a apagar após publicada. Demitir-se de legislar é demitir-se da discussão dos valores, da discussão social das expectativas, acredita, e recorda que mudar os algoritmos tem impacto e muda a realidade das pessoas e que há filtros que podem ser usados para diminuir a desinformação.

Rui Marques concorda que falta legislação, que é preciso criar uma consciência colectiva, adoptar os bons comportamentos que as pessoas têm no mundo físico no mundo virtual. E que não é para tirar liberdades, mas para atribuir responsabilidades.

Em contra corrente, o discurso de Gustavo Cardoso. Tem um entendimento diferente, não crê que o problema por exemplo da pirataria se resolva por esse meio, a maior parte das pessoas partilha conteúdos e não vê mal nisso, e defende que em vez de tentar mudar as atitudes das pessoas importa mudar o modelo de negócio.

Na questão das notícias falsas diz que o problema não está nas redes sociais mas na sociedade como um todo, que colocou em causa as entidades certificadoras. A sociedade portuguesa, lembrou, é altamente desconfiada face ao outro, o que explica muita coisa no entender do investigador. Sociedades mais desiguais são também mais desconfiadas, acrescentou.

Há coisas para as quais não é necessária legislação no entender do orador, que coloca ainda a tónica no facto de serem empresas à escala global versus países e que a União Europeia não tem meios para lidar com os conteúdos, mas tem para multar. “Acho que nunca vamos resolver a questão das notícias falsas, não é uma questão de legislação”, defendeu, lembrando que mesmo em sociedades ditatoriais há desinformação.

No seu entender, as pessoas vão ter de ser habituar a viver com a desinformação e com as notícias falsas e encontrar formas não de as erradicar, mas de minimizar as suas implicações. E isso passa a seu ver por voltar a pegar na questão das escolas de propaganda que existiram no passado para que as pessoas “percebem que há uma continuidade” e vejam o que é igual e o que é diferente hoje.

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