Crónicas

Entrevistadores, os novos animais ferozes

É preciso conquistar para depois conseguir extrair a informação em forma de resposta que pretende

Dizia-me um amigo jornalista (considerado por muitos um dos grandes entrevistadores da nossa praça), que o ato de bem entrevistar alguém é uma arte. Exige regras muito específicas e tem segredos muito próprios na forma como se lida com a pessoa que está à sua frente. Táticas que não estão ao alcance de todos. Que é preciso conquistar para depois conseguir extrair a informação em forma de resposta que pretende. Dava-me o exemplo das touradas, em que o toureiro com grande calma e mestria atrai o touro para o meio da arena, longe da sua zona de conforto (as tábuas onde se sente mais seguro e defendido) e só aí começa a tourear a seu bel prazer (peço desde já desculpa às virgens ofendidas do politicamente correto pela torpe comparação). No fundo o que ele me tentava dizer era que é preciso trabalhar o entrevistado, fazê-lo baixar a guarda para depois ir às perguntas mais profundas e fraturantes, picando-o aqui e ali para que sinta vontade de soltar cá para fora tudo o que tem de ser dito.

Mas esse amigo também me disse, que esse entrevistador deve ser leal e independente, respeitando a pessoa que se predispõe a ser entrevistada, não permitindo que ele no meio da confusão possa dizer coisas que põem em causa a sua imagem, que respeite sempre o que é dito em off (ou seja que é dito com o gravador desligado) e que nunca mas nunca se deve misturar interesses pessoais ou ideológicos com o trabalho profissional que está a executar. Pois bem, o que temos assistido na televisão nos últimos tempos darão com toda a certeza boas aulas para o curso de Jornalismo como exemplo do que não deve fazer o jornalista quando está perante semelhante situação. A começar na forma acesa e assaz agressiva com que lidam com o entrevistado. Parece que de repente o desempenho do entrevistador é medido consoante a agressividade em que o ponto menor será um grau de mansinho e o sucesso absoluto deve ser a agressividade colocada em cada questão.

Nada mais errado. Essa é aliás a razão para que no fim de várias das entrevistas que têm sido feitas nos últimos tempos, o tema tenha sido o entrevistador e não o entrevistado. Pior. O desempenho é tão medíocre e violento que acabamos por ter pena de quem está à sua frente e acabamos até por defender pessoas por quem não nutrimos especial simpatia. Aconteceu-me isso com Pedro Nuno Santos e com Marcelo Rebelo de Sousa mas sobretudo com André Ventura. Nos primeiros casos, dois entrevistadores atropelavam-se na ânsia de deixar em apuros as personalidades entrevistadas. Pareciam lobos famintos em volta da sua presa. Sentia-se o prazer que tinham ao sentir o cheiro a “sangue” e que procuravam ali o reconhecimento de não sentirem medo, de tentar encontrar por todos os lados, uma brecha por onde pudessem sair vitoriosos. Como se de um jogo se tratasse. No último caso, foi mais grave do que isso. O entrevistador João Adelino Faria assumiu a contenda como um debate em que do seu lado representava toda uma ideologia, sem que deixasse sequer Ventura responder às questões, de tão entusiasmado que estava com as suas próprias perguntas. Parecia uma inquirição de um crime.

O que o jornalista em causa se esqueceu é que a nossa orientação sexual, bem como a nossa raça ou religião, não são para ali chamados, quando estão a desempenhar semelhante papel. Como os outros não perceberam que uma entrevista não é palco para defendermos as nossas posições políticas, nem forma de atacar perante as nossas crenças ou ideologia. O que seria se um médico agora (para dar um exemplo), definisse o tratamento a um paciente conforme a sua posição política ou raça. Seriam os carrascos do século XXI. O profissionalismo e a grandeza de uma pessoa vêem-se precisamente nas situações mais difíceis. É aí que nos distinguimos como cidadãos e como mulheres e homens. E é precisamente aí que os entrevistadores têm falhado. Isto não é uma guerra e quem entrevista muito menos deve ser um peão inimigo. As entrevistas servem para conhecermos melhor as personalidades, as ideias e respostas a determinados temas que são do interesse de todos. Não pode servir para abraçar causas nem para assumir dores que não são para ali chamadas.

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