Acidentes de viação: Uma tragédia nacional…

Nas estradas portuguesas, morre muita gente. Muita gente mesmo. Pessoas “anónimas”. Pessoas que têm um nome, mas que não são conhecidas. Pessoas que nem sequer sabíamos que existiam. Pessoas de quem não sentimos falta porque não sentimos a sua perda. Não eram dos nossos. Eram dos outros. Dos familiares, dos amigos. Daqueles que sentem a dor, a angústia, o desespero. Daqueles a quem já só resta chorar, fazer o luto e lutar. Contudo, há mortes que não são dos nossos, mas que nos afetam. Mortes que nos levam para baixo. Que nos fazem sentir tristes. Que nos provocam o sentimento de perda. Mortes de pessoas que conhecíamos sem elas nos conhecerem, que nos diziam muito sem nunca nos terem dito nada. E foi exatamente isso que aconteceu em 2011, com a morte de Angélico Vieira. E foi exatamente isso que voltou a acontecer em 2020, com a morte de Sara Carreira.

Muitos já não se lembrarão, mas eu lembro-me perfeitamente: da morte trágica de Angélico Vieira. O cantor, ator, produtor e modelo português, muito conhecido e acarinhado pelos portugueses, morreu em 2011, aos 28 anos, depois de um trágico acidente de viação. O acidente deu-se na sequência de um rebentamento do pneu da frente do carro que ele próprio conduzia. Depois do rebentamento, um inevitável despiste. Dentro do carro, seguiam outras três pessoas. Duas delas sobreviveram, a outra morreu no local do acidente. Antes do rebentamento, o carro seguia em excesso de velocidade, mas não se conseguiu provar que, se seguisse dentro dos limites de velocidade impostos, o acidente não se teria verificado nem que a outra pessoa não teria morrido. Nove anos depois, a história repete-se e os portugueses voltaram a ficar chocados. Sara Carreira, uma jovem cantora de 21 anos, morreu num trágico acidente de viação. No caso de Sara, o acidente não se deu na sequência de uma avaria no carro onde seguia. Deu-se na sequência de um embate entre dois carros que circulavam à sua frente. De entre os muitos carros que seguiam atrás, muitos conseguiram desviar-se, mas o carro onde Sara seguia não conseguiu e o pior aconteceu: o carro embateu contra a parte frontal de um carro imobilizado em contramão e Sara morreu. O condutor não morreu, mas deu entrada no hospital em estado grave. No momento da notícia, o mais importante era a consolação da família de Sara e as melhoras do estado de saúde do condutor, mas há quem tenha achado que o mais importante era encontrar culpas. E logo se começou com o discurso inflamado nas redes sociais sobre a eventual culpa do condutor do carro onde Sara seguia, com acusações graves, nomeadamente a de conduzir em excesso de velocidade. Ora bem, eu não sei se o condutor teve culpa ou não. Não sei se conduzia em excesso de velocidade, alcoolizado, a fumar ou com a janela aberta e o braço de fora. Eu não sei de quase nada sobre o condutor nem sobre o acidente. O que eu sei é que, naquele carro, iam duas pessoas adultas: um condutor que pode fazer da sua condução o que quiser e bem entender e um passageiro que pode chamar à razão o condutor sempre que quiser e quando bem entender, nem que para isso tenha de gritar, mandar parar o carro e sair.

Eu não sei quem teve culpa. Nem sequer sei se alguém teve culpa. Mas também não me interessa. O que eu sei – e me interessa – é que se perdeu mais uma vida nas estradas portuguesas como muitas outras: por culpa própria, por culpa dos outros ou por culpa de ninguém. Somente por má sorte. Só espero que este trágico acidente não caia no esquecimento e sirva para nos relembrarmos e consciencializarmos de que, na estrada, todos os cuidados são poucos. Que esta vida perdida sirva para salvar muitas outras que ainda não se perderam...

Renato Marques

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