Convívios de Natal em tempos de COVID-19...
Eu não sei se foi para calar os empresários da restauração e lhes colocar uma prenda no sapatinho, se foi para agradar a população e aumentar a popularidade do Governo ou se foi para satisfazer os interesses dos políticos e eles poderem realizar os seus convívios de Natal com toda a família, mas a verdade é que o primeiro-ministo, António Costa, anunciou algo que nunca devia ter anunciado: um alívio das restrições nos dias 24, 25 e 26 de dezembro. E porquê? Porque, segundo António Costa, e passo a citar, «não deve ser o Estado a imiscuir-se na organização da vida familiar». Ou seja, não se deve imiscuir na organização da vida familiar no Natal, mas na organização da vida familiar nos casamentos, batizados, aniversários e outros tipos de convívios de família em fins de semana prolongados já se deve imiscuir. E muito. Bastante até. Eu não sei se foi por falta de pulso ou por incompetência, mas a verdade é que eu não me lembro de um Governo – nem de um primeiro-ministro – tão contraditório nas suas posições e medidas tomadas. É certo que as contradições não são de agora, mas, com a pandemia, tornaram-se demasiado evidentes. É que se notam à cara podre. Com contradições ou sem contradições, a verdade é que os portugueses ficaram contentes com este alívio e já não se devem queixar tanto das restrições nos próximos dias. E é isto que não se percebe no povo português: ora reclamam porque não há restrições, ora reclamam porque há restrições. Aliás, num país onde António de Oliveira Salazar foi eleito o «maior português de sempre», nem se percebe porque é que os portugueses reclamam tanto das restrições impostas pelo Governo. Ah, já sei: porque não existe a PIDE. Se existisse, não reclamariam tanto...
Eu não sei como é que se vão comportar os portugueses neste Natal, mas, cá em casa, o nosso comportamento vai ser igual ao que tem sido nos útimos dias: ninguém entra, ninguém sai, a não ser os membros do nosso agregado familiar. Visitas para ver o nosso filhote recém-nascido são sempre bem-vindas, mas só através do vidro da porta da sala. Na rua, podemo-nos encontrar, mas sempre com as máscaras colocadas na cara e cumprindo com as regras de distanciamento social. Cá em casa, ninguém vai correr riscos desnecessários, não pelo menos até as coisas melhorarem. E não sou só eu a dizer isto. Sou eu e a minha esposa. Esta é a nossa posição. E se me vão dizer que nós não temos coração nem sensibilidade para com os avós e tios, que muito gostariam de tocar, abraçar e beijar os nossos filhotes, deixem-me que vos diga que, neste momento, os nossos corações e a nossa sensibilidade estão com os nossos filhotes. São a nossa prioridade. Aliás, se não os mandamos para o infantário, para eles não correrem riscos, não vamos trazer os riscos para dentro da nossa casa, como é óbvio. Chamem-nos de paranóicos, chamem-nos do que quiserem. Não nos chamem é de egoístas, porque isso é algo que nós não somos nem estamos a ser. Chamem-nos antes de sensatos, coerentes e preocupados. Chamem-nos de responsáveis. Chamem-nos de altruístas. Sim, de altruístas, porque egoístas seríamos se não estivéssemos a cumprir com as regras e estivéssemos a fazer o que quiséssemos e bem entendessemos sem nos preocuparmos com os outros. E isto é algo que, definitavamente, nós não estamos a fazer. Muito pelo contrário. Cumprimos com as regras e privamo-nos de muita coisa, porque nos preocupamos com os outros, com os que nos são próximos. Não nos podemos é preocupar com os outros mais do que eles se preocupam consigo próprios. E já não digo isto em tom de crítica. Digo isto porque é verdade. Quanto aos vossos convívios de Natal, façam-nos como quiserem e bem entenderem, porque o mais importante é aquilo que vocês querem. Pelo menos é este o entendimento do Governo.
Afinal, os portugueses não morrem se apanharem COVID-19. Morrem é se não passarem o Natal em grandes convívios com a família toda. E deve ter sido por isso que o Governo anunciou um alívio das restrições nos dias 24, 25 e 26 de dezembro. No final, quem deverá ter razão será Marcelo Rebelo de Sousa, que disse, e passo a citar, «é provável que uma nova subida de casos e uma terceira vaga possa ocorrer entre janeiro e fevereiro». Ora bem, com este Governo, não é provável. É quase certo. E deverá ocorrer já em dezembro!
Renato Marques