Massacre de Moçambique
Uma crise humanitária com efeitos devastadores já vitimou mais de 2 mil pessoas e desalojou mais de meio milhão de habitantes
Uma das minhas frases preferidas de Fernando Pessoa é “para ser grande, sê inteiro”. Eu considero que para ser inteiro é preciso passar por África. Quem já la viveu ou por lá passou uma temporada generosa saberá do que escrevo. E não é fácil de a descrever. Um misto de paisagens com cheiro a terra, de gente mística que nos puxa para um lado mais espiritual e emotivo. Só que África, ( embora muitas pessoas metam tudo no mesmo saco ) não é um País, é um Continente. Com diferentes culturas, pejada de especificidades dadas as diversas influencias como também da própria construção geográfica. A que nos diz mais respeito será com toda a naturalidade a dos Países de Língua Oficial Portuguesa. Mas mesmo aí encontramos diferenças assinaláveis. Entre Moçambique ou Cabo Verde, São Tomé, Guiné Bissau ou Angola.
Essa ligação histórica, que existe, consubstancia-se na mistura que o povo português sempre alimentou tendo como resultado as mais variadas famílias, lá ou cá que carregam também elas a força dessa mescla. É por essa razão e por outras, que tantas vezes nos apelidamos de povos irmãos. O que para mim faz todo o sentido, mas que por uma razão ou por outra teimamos em deixar no papel. E não considero que seja um fardo ou um peso histórico que nos obrigue a demonstrar a nossa disponibilidade, é algo que vem de dentro e que nos faz sentir proximidade. É um sentimento mais real e genuíno por isso tão solidificado. Por esse motivo e por outros que não são para aqui chamados de momento e que têm que ver com o facto de achar que quem pensar África pensará o futuro e quem apostar nela estará a trilhar um caminho que pode ser extremamente proveitoso ( embora ainda um pouco arriscado, confesso ).
É por isso revoltante e chocante aquilo que se está a passar na província de Cabo Delgado, norte de Moçambique. Uma crise humanitária com efeitos devastadores que ja vitimou mais de 2 mil pessoas e desalojou mais de meio milhão de habitantes que se encontram neste momento sem teto e sem comida. A província onde avança o maior investimento privado em África, para exploração de gás natural, está desde há três anos sob ataque de insurgentes com ligações ao Estado Islâmico, que com falsas promessas e ilusões se vão apoderando das populações deixando um rasto de sangue que se vai tornando mais perigoso a cada dia que passa. Portugal tem que perceber que tal como em Timor por muito que não tenha legitimidade para desenvolver qualquer tipo de operações tem a obrigação de ser o porta voz daquelas gentes para o Mundo. Não é refugiando-se nas leis da União Europeia que deve deixar de ter um papel diplomático preponderante junto das instituições internacionais mas também na divulgação persistente do que por lá se passa.
O Ministro da Defesa João Cravinho, está em Maputo por estes dias. Embora não tenha visto este tema na agenda, não duvido que esteja na ordem do dia. Portugal como País e a CPLP como instituição que supostamente promove a cooperação entre os Países de Língua Portuguesa ao mais alto nível, têm o dever de não perder nem mais um minuto. Se a CPLP não serve para isto, não lhe vejo qualquer tipo de utilidade. Como disse Carlos Pinto num artigo recente “ África é motivo para cimeiras regulares e declarações de amizade reiterada nos salões internacionais que, perante o holocausto localizado em Cabo Delgado não permite confirmar estas intenções.” Gostamos muito de mostrar estes Países quase como “bibelots” que temos ali, enfiados em qualquer mesa da sala e teimamos em não lhes dar o devido valor, porque o caso é muito grave e o silêncio assustador. Perante uma área do Mundo que devia ser estratégica para o nosso crescimento e onde os nossos valores da solidariedade, do humanismo da ética e do respeito deviam estar sempre presentes. Não podem ser só povos irmãos quando dá jeito. É nas alturas mais difíceis que se vê as verdadeiras intenções de quem tanto apregoa…
P.S. A morte de uma jovem a que assistimos esta semana e que é tão importante e dolorosa como a de tantas outras que acontecem todos os dias faz-me crer que quando parte alguém, parte parte do coração de uma Mãe. Não deve haver nada mais brutal.