Crónicas

O bananal e o filete de espada

1. Disco: no Spotify está uma coisa chamada “Halloween 81”. Tem 86 músicas gravadas ao vivo, 6h e 57m de música do grande Frank Zappa. Não precisam correr porque aquilo não foge, mas passar por lá para ouvir, só vos fazia bem. Principalmente, àqueles que não gostam que aqui fale de música e livros.

2. Livro: Não digo que seja o livro que li mais vezes, mas é um dos mais lidos: “O Triunfo dos Porcos”, de George Orwell. Vem isto a propósito de se recorrer amiúde a este livro como ferramenta imprescindível, quando se quer demonstrar que a igualdade “tout court” promove, quase sempre, mais desigualdade. A máxima final do livro é brilhante: “todos os animais são iguais, mas há uns que são mais iguais do que outros”. Mas não nos podemos esquecer que as últimas linhas do livro não são apenas uma acusação aos porcos por não serem melhores que os homens, mas também aos homens, por não serem melhores que os porcos.

3. A democracia implica direitos e deveres. Tenho o direito de ser devidamente informado sobre tudo o que é decidido e que implique com a minha vida; tenho o dever de cumprir o que é decidido apoiado em conhecimento e ciência.

A minha liberdade implica direitos e deveres. Tenho o direito de decidir por mim o que acho melhor para a minha vida; tenho o dever de saber que o limite da minha liberdade é a liberdade do outro.

O que vou escrever em seguida não vai ser entendido por todas as pessoas. Principalmente, para quem já formatou a cabeça e obedece sem questionar, segue sem hesitar, aceita sem pestanejar.

A História demonstra, à exaustão, aonde nos levam esses caminhos da obediência cega, na maior parte das vezes, motivada pelo medo. Os maiores crimes da história não foram cometidos por quem vai contra as regras. Foram cometidos por quem a elas obedece.

Os que assim se comportam, são uma larga maioria e estarei a pôr o pescoço no cepo. Seja, cortem-me então a cabeça, mas não me matem a consciência.

O Governo Regional, pela voz do seu presidente, anunciou mais uma série de medidas sanitárias. Gostava de o ter ouvido recorrer à sustentação científica para cada uma das coisas que anunciou.

Os bares passam a fechar às 24h, ao invés das 02 da manhã. Porquê? Até essa hora o vírus está em casa? Ou terá a ver com a falta de meios para fiscalizar um período maior? Se assim for, seria honesto que isso fosse dado como explicação.

Toda a competição desportiva não profissional está cancelada. Porquê, toda? Até, com esforço, consigo entender que isso aconteça na que implica contacto físico, mas o determinismo do “todo” faz-me impressão.

A máscara a partir dos 6 anos. Dos 6 aninhos. Relembro que a OMS refere o uso a partir dos 6 anos, só deve ocorrer quando os níveis de transmissão da infecção na zona onde residem forem elevados e não tiverem capacidade em utilizá-la correctamente e com toda a segurança. Sabe o GR de algo que não nos diz? Relembro que o Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças (ECDC) recomenda o uso de máscara só a partir dos 10 anos.

Referem as viagens entre a Madeira e o Porto Santo e a medições de temperatura, mas aqui não há nenhuma referência ao número de pessoas que podem estar a bordo. Esquecimento conveniente?

Os estudantes que venham passar uns dias a casa vão testar à chegada e, independentemente do resultado, vão ter de fazer confinamento, até voltarem a testar, entre o 5º e o 7º dia, e obterem o resultado deste segundo teste. Como vão os serviços que estão montados no aeroporto distinguir, à chegada, quem é estudante de quem não é? Têm escrito na testa? E os outros madeirenses, por exemplo, que vivam fora e venham visitar a família? Só testam à chegada, confinam até saberem o resultado, e depois vão à sua vida? São menos promíscuos que os estudantes?

Eduardo Jesus, em declarações à RTP Madeira, depois confirmadas pela Directora Regional da Cultura, veio dizer não pode haver espectáculos com mais de 5 espectadores, porque é o número máximo de pessoas que podem estar juntas. Ora, vamos lá ver se percebo. Se eu for com cinco amigos jantar podemos ficar todos na mesma mesa. Na mesa ao lado, com a devida distância, pode estar outro grupo de cinco. E mais outro. E outro. Todos separados pela distância determinada. Agora, se quiser ir assistir a um espectáculo, só o posso fazer se a lotação da sala de espectáculos não tiver mais do que cinco pessoas. É assim? É que foi isso que o Secretário do Turismo e Cultura e a Directora Regional disseram. Se o objectivo é baralhar as pessoas, criar confusão e deixar os agentes culturais com os cabelos em pé, muito bem Sr. Secretário, conseguiu fazê-lo.

Ah! e as salas de cinema continuam a funcionar com lotação condicionada, como deve ser.

Acrescentemos a isto a “fantástica” possibilidade de termos Parque de Diversões na Festa. Forma-se uma fila enorme, respeitando a distância física, e entram 5 de cada vez: um para comer churros, outro para os carrinhos, mais um para aquela coisa que sobe e desce desalmadamente, uma de saltos altos para a Casa do Terror e um sem-abrigo para ir à casa de banho.

Para mim, não é suficiente o Presidente do Governo vir dizer que se ouvem especialistas. Se assim é, fica demonstrado que não devem fazer caso do que lhes é dito. Ou, então, os ditos especialistas são-no de outra coisa completamente diferente. Querer tratar de um bananal ouvindo especialistas em filetes de espada, só porque há quem os faça com banana, não tem nenhuma utilidade.

Sou só eu que acho isto tudo muito estranho?!

E pronto, e agora venha de lá a azia, por parte dos que pensam que o “achismo” é ciência.

4. O Decreto Legislativo Regional n.º 14-A/2020/M, transforma a ARAE, Autoridade Regional das Actividades Económicas, numa espécie de força policial, ao dar-lhe competências de fiscalização no uso, ou não, da máscara e na respectiva contraordenação, quando caso disso. As competências da ARAE são aqui, claramente, extrapoladas. Não tem competência para o fazer. O uso de máscara, obviamente, não se inclui no âmbito de uma “actividade económica”. É uma questão civil e, como tal, deve ser fiscalizada e autuada pela PSP.

5. Esta semana, caí na asneira de ler uns comentários a umas notícias publicadas no Facebook deste centenário Diário. Não tenho nenhuma dúvida de que estas coisas foram tomadas de assalto por uma espécie de “Acéfalos pela Verdade”, tanta a asneira e tanto o ódio destilado que por lá se pode ler.

6. Os “Acéfalos pela Verdade” culpam os polacos por tudo. No início da pandemia eram os turistas em geral, mas depois alguém lhes disse que isso era uma merda, porque a nossa economia de monocultura depende em tudo do turismo (é prá’i uns 40 e tal por cento do PIB, directa e indirectamente). Então, agora são os polacos que decidiram vir para a Madeira de férias e, de caminho, infectar toda a gente.

Eu declarava, já, guerra à Polónia. Enviava cinco traineiras do Caniçal rumo ao Báltico com ordens para atacar e ocupar Gdansk.

Também penso que devia ser convocada uma manifestação, em frente à estátua do Józef Piłsudski, a protestar contra isto. Podíamos fazer uns perfis falsos, no Facebook, para a convocar. E, depois, o primeiro que chegasse, ia-se logo embora.

Ou, então, partir à procura do túmulo de Władysław/Henrique Alemão, rei polaco que fugiu para a Madeira onde morreu afogado, e cuspir-lhe em cima.

Só deixo o Papa João Paulo II de fora, por reverência.

Malditos polacos infectados que vêm de férias para a Madeira.

7. Infelizmente, esta pandemia de estupidez não tem vacina que a cure de um dia para o outro. Só com educação e cultura se consegue chegar lá. Isso dá muito trabalho e ocupa imenso tempo.

8. “Duas coisas são infinitas: o universo e a estupidez humana. Mas, em relação ao universo, ainda não tenho a certeza absoluta.” - Albert Einstein

Fechar Menu