Análise

Quem diz o que quer, merece ouvir

O “comportamento negligente” está longe de ser um exclusivo dos nossos mais novos

Várias vozes criticaram o executivo madeirense na última semana por anunciar medidas que julga essenciais para controlar o coronavírus, sem antes auscultar parceiros sociais, partidos e entidades que, dada a sua representatividade e alcance, podiam trazer valor acrescentado e maior ponderação às opções entretanto tornadas públicas.

Como a luta é colectiva, quantos mais estiverem envolvidos no combate, respeitando os níveis de participação diferenciados, melhor é a eficácia. Não custava nada investir nesse exercício democrático, mesmo que não haja dúvidas sobre quem tem a última palavra e a toda a responsabilidade na definição de medidas que zelem pela Saúde.

Quando se esperava um acto de contrição a este nível, a resposta oficial confirmou as piores suspeitas: “Há tempo de ouvir e tempo de decidir. O que se passa é que há gente que passa o tempo a ouvir e não tem a coragem de decidir”, assegurou hoje Miguel Albuquerque em pleno parlamento regional.

Sem pruridos, o Presidente retoma a lógica do “quer queiram, quer não” na era em que assume que “vai ser tudo metido na ordem”, mas em que opta claramente por apertar o cerco à irreverência juvenil, estigmatizando-a de diversas formas, ao mesmo tempo que opta por não responder a um sem número de questões decorrentes das deliberações que assina.

Um bom governo decide depois de ouvir as partes e de atender os contributos que generosamente partilham. Fazer diferente porque não há tempo a perder com alegados palpites, provoca alheamento e reparos, gera dúvidas e medos evitáveis. Tudo com efeitos incalculáveis.

Por exemplo, desta vez o Governo não tomou nenhuma decisão específica sobre eventos, mas muitos apressaram-se a cancelar iniciativas, não vá a caça à multa virar moda. Desta vez, o Governo mandou PSP, GNR e ARAE reforçar a fiscalização e a concretização das medidas que visam evitar ajuntamentos e assim travar o crescente número de casos positivos sem dizer como, quem faz o quê e com que moldura legal. Desta vez, o Governo obriga os bares e similares a encerrar até às 24h, uma hora depois dos restaurantes, dando mais tempo a quem quer beber do que a comer. Desta vez, o Governo obriga os estudantes a efectuar o segundo teste PCR entre o quinto e o sétimo dias após o desembarque, “devendo permanecer em isolamento no respectivo domicílio até à realização do segundo teste e obtenção do resultado negativo do mesmo”, sem explicar as razões desta absurda exclusividade, como vai distinguir quem é quem à chegada e as soluções para quem não tenha casa que garanta o isolamento proposto. Desta vez, o Governo aprova medidas para 30 dias mas que, no caso do desincentivado regresso dos estudantes pelo Natal, só têm efeitos no mês seguinte.

Optamos pelo escrutínio das opções tomadas em cada instante e bem pode o coro dos ofendidos voltar à carga, denunciando a alegada incapacidade na detecção dos méritos de quem governa ilha só com uma morte covid. Esta gente deseja apenas “boas” notícias, como se, naquelas que classifica de “más”, não houvesse lugar para a esperança. Neste tempo de pandemia o jornalismo sério tem sido vacina. Logo, está mais exposto à apetência de quem quer moldá-lo à imagem e semelhança de uma militância qualquer.

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