Ameaça terrorista "nunca desapareceu" em França
A ameaça terrorista em França "nunca desapareceu" após 2015, embora se tenha transformado devido ao enfraquecimento do Daesh na Síria e no Iraque levando aos novos contornos da sucessão de ataques do último mês, explica o analista Marc Hecker.
"A ameaça nunca desapareceu, foi só menos letal e esse facto pode ser explicado pela perda do santuário sírio-iraquiano que é o Daesh, diminuído em termos territoriais e, portanto, com menos meios para formar os seus comandos e reenviá-los para a Europa", afirmou Marc Hecker, diretor de investigação do Instituto Francês de Relações Internacionais e especialista em questões de terrorismo, em entrevista à Agência Lusa.
No último mês, França foi alvo de vários ataques terroristas que chocaram o país como a morte do professor Samuel Paty ou o ataque à igreja em Nico. No entanto, Marc Hecker considera que nunca houve um momento de acalmia no país desde 2015, quando ocorreu o ataque original ao "Charlie Hebdo" e o ataque ao Bataclan.
"Há a impressão que houve um período de acalmia e isso é errado. A vontade de nos atacar nunca desapareceu e houve cerca de 30 ataques terroristas travados em França desde julho de 2017. E houve ataques marcantes entretanto", sublinhou o especialista, referindo os números dos ataques evitados pelos serviços de inteligência franceses revelados, recentemente, pelo Ministério do Interior francês.
Mesmo os alvos, como a antiga redação do jornal satírico "Charlie Hebdo", a escola na morte do professor Samuel Paty e o catolicismo no ataque na igreja de Nice, não são novos, segundo o investigador, mas há uma inovação.
"Atacar uma escola ou uma igreja em França não é algo novo. O que temos agora é um encadeamento rápido de ataques com alvos simbólicos e um modo de operar que visa criar o terror. O que é novo é o perfil dos indivíduos que cometem estes atos", indicou Hecker, referindo que anteriormente os terroristas eram de nacionalidade francesa e que agora são recém-chegados de outros países ao território francês.
Em 2018, Hecker publicou um estudo em que analisou o perfil e o percurso de 137 terroristas julgados pelos tribunais franceses, assim como o papel que a prisão teve na sua radicalização, concluindo que a esmagadora maioria eram de nacionalidade francesa e tinham feito o seu percurso escolar no país, tendo sido radicalizados através de outras influências.
O investigador considera que nestes ataques mais recentes ainda é cedo para tirar conclusões sobre os novos perfis dos atentados recentes, mas que é algo "a que as autoridades devem ficar atentas".
No seguimento destes ataques, o Presidente Emmanuel Macron anunciou esta semana que o país vai "intensificar" a luta contra a imigração clandestina, duplicando o número de efetivos no controlo das fronteiras, e ainda o interesse de "aprofundar" o Espaço Schengen com os restantes parceiros europeus.
"Há uma ameaça comum que atinge vários países da Europa e a ameaça focou-se muito em França por causa do processo do 'Charlie Hebdo', da republicação das candidaturas e da liberdade de expressão, mas qualquer Estado pode ser tocado porque esse é o espírito do jihadismo", explicou Marc Hecker.
O objetivo destes ataques repetidos, segundo o especialista em terrorismo, é criar uma "uma estratégia de ataques feitos à medida". "São ataques pouco letais mas contra alvos estratégicos, de forma a sufocar a sociedade e suscitar uma reação não só das autoridades mas também dos extremos, como a extrema-direita", referiu.
O facto de que estes ataques se vêm juntar a uma crise sanitária cria na sociedade francesa um clima de "medo".
"O objetivo do terrorismo é criar medo e acabamos por sentir nesta situação sanitária medo também. Embora se deva sublinhar que a covid já fez muito mais vítimas que o terrorismo e não há comparação possível. No entanto, o terrorismo pode tocar qualquer pessoa a qualquer momento", concluiu.