Crónicas

O bom, o mau e a rebendita

Choca-me que alguém do PSD se considere parte de um bloco político onde esteja, ainda que na extremidade, o partido de André Ventura

Depois de uma nacionalização para a esquerda ver, o Estado finalmente tomou conta da TAP. As vantagens da gestão pública estão já à vista de todos. 1200 milhões de euros emprestados no próximo Orçamento do Estado. Caso venha a ser necessário, há ainda uma reserva adicional de 500 milhões. Obviamente, não só será necessário, como será pouco. 2800 trabalhadores despedidos até ao próximo ano, os mesmos trabalhadores que, supostamente, a compra da TAP pelo Estado iria proteger. A ligação semanal ao Porto Santo cancelada e preços astronómicos para viajar para a Madeira. E no meio deste hino ao interesse público, a TAP decidiu usar louça de porcelana da Vista Alegre na classe executiva. Quem disse que uma companhia aérea falida não pode ter classe?

O bom: Porto Santo – Reserva  da Biosfera

A ilha do Porto Santo é Reserva da Biosfera da UNESCO. A joia mais antiga das joias de Portugal, é, agora, pedra preciosa da Rede Mundial de Reservas da Biosfera. Se o reconhecimento é importante, o processo de candidatura foi verdadeiramente decisivo. Por duas razões. Primeiro, porque não se fez, apenas, nos gabinetes e pelas mãos dos técnicos. O caminho para a Reserva da Biosfera trilhou-se com quem vive no Porto Santo. Com os museus da ilha, com a Universidade Sénior do Porto Santo, com a comunidade escolar e com muitos outros que fizeram sua esta candidatura. Segundo, porque permitiu um novo sopro de vida ao destino turístico, tantas vezes assoberbado pelo omnipresente areal. O futuro económico do Porto Santo não pode passar, apenas, pela praia. Até porque a ilha tem potencial para muito mais. De território pioneiro na adaptação às alterações climáticas até constituir-se como laboratório para a implementação de soluções sustentáveis de mobilidade, o Porto Santo apenas precisa de quem lhe aponte o caminho. O reconhecimento atribuído pela UNESCO não é a meta, mas o tiro de partida para quem quiser assumir que o futuro da ilha dourada ultrapassa o areal. Afinal, esse é o principal desafio da reserva da biosfera. Impedir que se torne num troféu que apenas serve para ganhar pó. Para isso, já nos basta Santana.

O mau: A entrevista  de Marcelo Rebelo de Sousa

À porta de um novo estado de emergência, e quando precisávamos de um Presidente, saiu-nos um comentador. De bancada, de acordo com o próprio. Marcelo foi à RTP para ser entrevistado sobre a pandemia e acabou a lançar a campanha para as Presidenciais. Ao longo da entrevista, que na verdade foi um monólogo, Marcelo conseguiu completar a santíssima trindade do discurso político. Criticou a gestão que o Governo tem feito da pandemia. Absolveu os pecados governativos, acenando com uma crise política. E terminou a assumir a “responsabilidade suprema” pelas falhas que, minutos antes, tinha perdoado. Marcelo teve discurso para todos. Criticou o governo para satisfazer a direita, mas apenas o suficiente para não irritar a esquerda. Segurou o governo de Costa, mas deixou o aviso que Churchill ganhou a guerra, mas perdeu as eleições seguintes. O Presidente quis satisfazer todos e acabou a não agradar a ninguém. Depois de uma hora de conversa, ficámos sem saber porque quis Marcelo ressuscitar o seu comentário de Domingo. Talvez para que o comentador pudesse lançar a candidatura do Presidente. Se calhar para encenar um ato de contrição perante os portugueses, que sabe ser-lhe favorável nas próximas eleições. Seja qual for a razão, o que fica claro é que um chefe de estado não se pode prestar a isto. Muito menos nos dias em que vivemos.

A rebendita: Eleições açorianas

Demorou, mas a conta da geringonça chegou. Por ironia do destino, aconteceu no bastião socialista dos Açores. Desde 2015, com a reabilitação das viúvas do PREC, o partido mais votado nas eleições não tem assegurado o direito a governar. A noite eleitoral açoriana deixou esse facto bem claro para o PS. Apesar dos socialistas terem reunido o maior número de votos, há uma maioria alternativa à sua direita. Por isso, a nova composição do parlamento açoriano levanta duas questões interessantes. A primeira é saber se o PSD se pode coligar à direita para governar. A segunda, mais polémica, é saber até onde pode ir essa coligação. Até ao Chega? Vamos por partes. Se se aceitou que o PS nacional se coligasse à esquerda, e na Madeira se tivesse até admitido uma coligação do PS em todas as direções, é óbvio que o PSD minoritário tem legitimidade para escolher, à direita, os seus parceiros. Recusar esta possibilidade é dizer que o PSD, para governar, precisa de maioria absoluta e que ao PS basta encontrar votos à esquerda. Mas há outra conclusão que se pode retirar. Para formar governo, o PSD dependerá sempre do PS, ou seja, de um bloco central. A partir daí, o PS perpetua-se no poder, uma vez como partido minoritário, outra maioritário, mas sempre no governo. Quanto ao Chega, choca-me que alguém do PSD se considere parte de um bloco político onde esteja, ainda que na extremidade, o partido de André Ventura. Muito mais que se pense, sequer, em coligações. O Chega não é, só, um partido mais à direita do PSD. Está à mesma distância que Bloco e PCP. É um partido oposto a quase tudo o que o PSD defende. Por isso, nos Açores, a pergunta não se deve colocar ao PSD, mas aos deputados do Chega: vão colocar os vossos votos ao serviço da maioria dos açorianos ou vão entregá-los à ambição pessoal de André Ventura?

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