Foto Arquivo/Aspress/Joana Sousa
Madeira

Faz hoje 59 anos que o paquete 'Funchal' fez a viagem inaugural rumo ao Funchal

Após uma vida a navegar pelos mares, navio está há mais de cinco anos 'encalhado' num cais do rio Tejo, precisamente de onde, a 4 de Novembro de 1961, zarpou na estreia

No final da manhã de 4 de Novembro de 1961, um sábado, zarpava da Gare Marítima de Alcântara, localizada na foz do Rio Tejo, em Lisboa, o navio 'Funchal', a mais famosa embarcação com o nome da capital madeirense. O rumo desta viagem inaugural estava traçado. Funchal, a sua primeira escala, e depois Ponta Delgada, Horta e Angra do Heroísmo, os portos açorianos, antes do regresso a Lisboa.

A efeméride é recordada hoje pela Associação de Portos de Portugal, que recupera um texto de um blog entusiasta de navios, o Ships & The Sea, escrito na passagem dos 50 anos desta viagem inaugural, assinalda em 2011. "Há exactamente 50 anos, ao fim da manhã de 4 de Novembro de 1961, o então novo paquete FUNCHAL largou do cais da Gare Marítima de Alcântara no início da sua primeira viagem, com destino ao Funchal, Ponta Delgada, Horta e Angra do Heroísmo".

"Construído em Elsinore (ou Helsingör), na Dinamarca por encomenda da Empresa Insulana de Navegação, o FUNCHAL representou uma melhoria muito significativa na carreira de Lisboa para os Açores e Madeira", conta o blog. "Para além da grande velocidade, superior a 20 nós, o FUNCHAL proporcionava modernidade e conforto nas viagens insulares, tendo em vista fomentar o turismo". Curiosamente, contrariando a tendência do sector, será dos poucos navios que nunca mudou de nome, mesmo com quatro proprietários, um dos quais estrangeiro, e mesmo o mais recente potencial comprador (ler parte final), não parecia ter vontade em mudar-lhe o distinto nome Funchal.

Com projecto do engenheiro naval e contra-almirante da Marinha Portuguesa, Rogério de Oliveira, o 'Funchal' "foi o maior navio de passageiros construído na Dinamarca à data da sua entrega em Outubro de 1961". Lançado ao mar a 10 de Fevereiro de 1961, também chegou a fazer a ainda hoje ansiada ligação Lisboa, Madeira, Canárias, Açores. Mensalmente fazia duas viagens consecutivas na rota Lisboa-Funchal-Tenerife-Funchal-Lisboa, a que se seguia uma viagem Lisboa-Açores via Funchal.

Na década de 1960, integrado na frota de mais de uma vintena de navios da Marinha Mercante portuguesa, fazendo par com o N/T Infante Dom Henrique, N/T Santa Maria, N/T Vera Cruz e N/T Príncipe Perfeito, os maiores da linhagem, e abatidos entre 1973 e 1977, o 'Funchal' foi resistindo, tendo inclusive sido nele que se transportou os restos mortais de Pedro IV, sob escolta militar, em 1972. O também Pedro I, imperador do Brasil, e que morrera de tuberculose em 24 de Setembro de 1834, e principal impulsionador do liberalismo em ambos os lados do Atlântico, pode ser considerado o seu mais ilustre passageiro, seguramente entre muitos outros.

Foi nele que também seguiu na viagem de regresso Ponta Delgada-Lisboa via Funchal um leitor anónimo, que no referido blog de cruzeiros deixou o seu testemunho.

Nunca esqueci este belo navio, lembro-me muito bem como ele era tive o privilégio de ter o meu nome na primeira lista de passageiros na viagem inaugural entre os Açores e o Continente via Funchal, tinha eu 12 anos quando fui estudar para Leiria e fui um dos seus passageiros nessa primeira viagem. Navio muito bom, comportou-se muito bem no mar tinha boa estabilização mesmo com o mar um pouco revolto entre o Funchal e Lisboa, notamos um pouco mas mais nada... quando o rebocador Corpo Santo o afastou da doca e principiou o andamento em direcção ao Funchal, em pouco tempo a ilha de São Miguel ficava para traz; na ré do navio deitaram um cabo ao mar conectado a um ondómetro (ou a outro aparelho) e três vezes ao dia tiravam a leitura e escreviam num livro (Log Book) quantas milhas tinham passado até ao ponto da última leitura passava o meu tempo a ler livros numa mesa junto a uma das três janelas que existiam de cada lado na cafetaria localizada na ré do navio, agora segundo as fotos do novo Funchal (renovado) existem mais de três janelas na mesma área, talvez bar agora...desde aquele tempo, guardo na memória a recordação daquela que foi a primeira viagem entre Acores e Continente via Madeira... Autor anónimo

"Os anos passaram, o navio teve uma carreira digna e bem sucedida, foi transformado para cruzeiros em 1973 quando o transporte aéreo passou a ser o favorito do público de e para as ilhas e passados estes anos todos mantém o mesmo nome e a bandeira portuguesa, graças a um cidadão grego que o comprou em 1985 e tem sabido manter o navio actualizado e competitivo no difícil mundo dos cruzeiros internacionais", continuava o texto do blog.

Em 2013, após compra pela empresa Portuscale Cruises, o renovado 'Funchal' teve ainda uma curta vida de pouco menos de ano e meio no mundo dos cruzeiros. Na foto acima, tirada a 9 de Fevereiro de 2013, o navio parte de Gotemburgo, na Suécia, para mais uma viagem inaugural após mais um período de 3 anos em que estivera sem actividade em Lisboa.

A vida da primeira companhia de cruzeiros portuguesa durou pouco tempo, mas o suficiente para que o paquete 'Funchal' pudesse visitar a terra que lhe deu nome, uma vez mais, e logo numa data marcante, na passagem de ano de 2013 para 2014. Ainda a cheirar a tinta fresca, o navio foi visitado logo no primeiro dia de Janeiro do ano novo, como deu conta o DIÁRIO na edição de 2 de Janeiro de 2014.

Deveria ter sido o renascer daquele que se pode designar como uma lenda dos mares. Não são muitos navios que ficam no activo tantos anos. Mas a verdade é que o resto da história é marcado pelo fim da aventura no cais da Margueira (em 2015) e da Matinha (pelo menos desde 2017) está atracado, fazendo parelha com o navio 'Porto', outro dos quatro (também 'Lisboa' e 'Azores') que a Portuscale pretendia lançar-se no competitivo mundo dos cruzeiros.

Das últimas notícias sobre o navio revelam o leilão de que foi palco para a sua própria licitação. Uma companhia hoteleira de Liverpool, denominada Signature Living, prometeu pagar 3,9 milhões de euros. Era uma esperança de que o navio ainda teria futuro. E os planos seriam transformá-lo num cruzeiro de festas.

Com capacidade para mais de 500 passageiros, mas que seguramente requalificado poderiam ser adaptáveis, na ideia da Signature Living, o 'Funchal' iria ser uma espécie de hotel flutuante, colorido, festivo, alegre, distinto e até bastante privativo, uma espécie de mega-iate. O problema é que, ao que tudo indica, a empresa falhou o pagamento da última prestação da compra e, por isso, nada mudou desde então.  

Em 5 de Dezembro de 2019, o jornal Liverpool Echo dava conta que os planos envolviam "transformá-lo em um hotel flutuante de 632 camas e clube de praia que iria de Liverpool aos resorts de festas de Ibiza, Marbella e Maiorca. Um comunicado à imprensa da empresa explicou como o navio de cruzeiro ficaria atracado no porto da cidade de Ibiza e viria com sua própria equipa de concierges a bordo para ajudar os hóspedes na criação de um itinerário" de festas.

No entanto, o jornal explicava que "a Signature confirmou que cancelou totalmente os planos para o barco e está a trabalhar para vender o navio. Um porta-voz disse: 'Estamos a estudar uma série de opções em relação ao MV Funchal. É um momento emocionante para o grupo Signature Living e esperamos vender o navio com lucro no início do próximo ano'".

A crise que o sector do turismo atravessa, derivado da pandemia de covid-19, não augura nada de bom para navios como o 'Funchal' que mesmo antes, em fase de enorme expansão da indústria dos cruzeiros, mal conseguiu sair da Matinha. No entanto, uma vez que a tendência mais recente que várias companhias têm adoptado passa por cruzeiros 'sem destino' (saem e regressam ao mesmo porto com o mínimo ou nenhuma escala, apenas pelo prazer de navegar), ou ainda os cruzeiros expedicionários ou grandes travessias (como a que aconteceu com o navio 'Seadream I' que passou no Porto do Funchal a 24 de Outubro), pode-se deduzir que ter um navio para festas, com saídas do Reino Unido rumo às ilhas do Mediterrâneo, não parece ser má ideia de negócio. Haja dinheiro.

Dinheiro, para começar, em termos ambientais, pois a associação Quercus que denunciou em 2018  a existência de 100 toneladas de amianto friável (altamente degradado) que é preciso retirar antes de qualquer outro plano, inclusive o desmantelamento para sucata. Segundo os ambientalistas nem pode ser rebocado para outro porto sem a retirada do produto tóxico e cancerígeno. A denúncia foi feita há quase dois anos e não há notícia de que algo tenha sido feito pelas autoridades portuguesas ou britânicas. Estávamos a 19 de Dezembro de 2018.

Na imagem final, entre as pesquisas para compor esta história, 'descobrimos' este ferryboat de alta velocidade com o nome 'Funchal', que opera em Hong Kong.

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