A política melhor
O pior que nos pode acontecer é um Governo Regional que com o pânico do nosso débil Sistema Regional de Saúde não estar preparado para uma sobrecarga de doentes covid-19
Daqui a nada é Natal e nem sei que mensagens iremos enviar uns aos outros na época mais bonita do ano. A nossa Festa será certamente diferente, mas não podemos perder o espírito ou a alegria da época, apesar das notícias mais recentes e de um natural alarme social andar espalhado pelas ruas. Analisando a situação sanitária na Região, a nossa condição arquipelágica, que habitualmente nos condiciona e retira vantagens, foi-nos favorável e protegeu-nos da propagação do vírus. Isso não evitou uma crise originada pelo inevitável confinamento, afectando muitas famílias de madeirenses e porto-santenses, numa economia marcada por uma especialização excessiva no turismo e com muitas fragilidades escondidas num crescimento tão contínuo, como as desigualdades que se perpetuam no tempo. Se desconfiam disto, basta analisarem o coeficiente de Gini, indicador de desigualdades na distribuição de rendimento, e constatar que é superior ao resto do país, tendo inclusive aumentado em 2019.
O próprio Plano de Desenvolvimento Económico e Social da RAM, o PDES 2030, reforça o que digo, numa Região que tem 91 mil pessoas em risco de pobreza e exclusão social, e 24 mil com privação material severa. É o sinal de uma estratégia de desenvolvimento integral que falhou e que beneficiou só uns. Já repararam que a riqueza, a propriedade e o poder estão concentrados nas mãos de muito poucos e que muitos outros têm tão pouco? Os baixos rendimentos da generalidade da população assim o confirmam, quando verificamos que o nosso crescimento salarial está abaixo da média nacional, sendo que em 2019 o salário mínimo regional representou 88,4% do rendimento médio dos assalariados. E nada disto tem a ver com a covid-19.
Mas voltemos à pandemia e às notícias que nos chegam dessa Europa fora e que geram entre nós apreensão, acumulada com a primeira morte por covid-19 na Região. Isto depois de várias escolas da Região terem accionado o plano de contingência devido a casos positivos, e de alguns profissionais de saúde, bem como colaboradores de outras instituições terem sido, infelizmente, infectados.
O que se pede, neste momento, é coerência nas decisões, respostas proporcionais e adequadas, e mensagens claras. O pior que nos pode acontecer é um Governo Regional que com o pânico do nosso débil Sistema Regional de Saúde não estar preparado para uma sobrecarga de doentes covid-19, entrar em desespero político e tomar medidas desajustadas e desarticuladas, criando ansiedade e medo na população, ampliando com populismo a ansiedade geral, e com isso, o aparecimento de discursos de ódio e actos xenófobos.
Temos todos de perceber que isto está para durar e que temos de manter a actividade económica a funcionar com reforço dos apoios. Racionalidade e ponderação precisam-se.
E solidariedade. Na Encíclica Fratelli Tutti, o Papa Francisco fala das pessoas comuns que “compreenderam que ninguém se salva sozinho”. Falta que quem nos governa perceba isso também. Encontramo-nos numa encruzilhada em que ou nos salvamos todos, ou perdemos todos. Gostava, mas confesso que já não tenho esperança, que este governo PSD/CDS auscultasse todos os partidos sobre a situação epidemiológica e que aprovasse, ou pelo menos aproveitasse, algumas das propostas que apresentamos na Assembleia Regional. Ao invés disso preferem continuar a guerrilha contra o Governo da República, apesar da grande maioria das reivindicações estarem já satisfeitas, como as moratórias do PAEF ou a autorização do financiamento, e outras, como o aval ao empréstimo, poderem ter resolução para breve.
Infelizmente essa solidariedade que o Governo Regional exige ao Governo da República, não a pratica com as Câmaras Municipais que são do Partido Socialista. Apesar destas autarquias estarem na linha da frente dos apoios às pessoas mais vulneráveis e às empresas locais em agonia, não receberam qualquer cêntimo. O Governo da Região não fez qualquer contrato-programa com órgãos legitimamente eleitos, mas deu milhões de euros às Casas do Povo e outras instituições, com claros fins partidários e eleitoralistas. É neste sentido que o Papa Francisco fala num populismo que instrumentaliza a cultura de um povo, com o objectivo da permanência no poder, e que se agrava “quando se pretende, com formas rudes ou subtis, o servilismo das instituições e da legalidade.” Da parte do PS Madeira continuaremos a trabalhar pela “política melhor” que permita, como diz a carta do Santo Padre, uma “política salutar, capaz de reformar as instituições, coordená-las, e dotá-las de bons procedimentos, que permitam superar pressões e inércia viciosas.”