Eleitores venezuelanos divididos entre participar e abster-se nas legislativas
O país atravessa uma crise de hiperinflação que dura há 36 meses e muitos não acreditam que vá mudar com as eleições daqui a seis dias
A uma semana das eleições legislativas de 6 de Dezembro, os venezuelanos estão divididos entre votar ou não, com uns a responsabilizar o Governo pelo agravamento da crise e outros a culpabilizar a oposição por falta soluções.
"Não [irei votar], porque entendo que se trata de uma estratégia do regime para dar a entender, fora da Venezuela [no estrangeiro], que aqui há uma democracia", explicou Félix Miguel Rojas à agência Lusa.
O assistente jurídico vê as próximas eleições como uma "performance para simplesmente enganar o mundo", com "uma Assembleia [Nacional] nomeada a dedo e com os logótipos dos partidos sequestrados pelo Supremo Tribunal de Justiça".
"Fizeram uma pantomima, um panfleto com umas eleições, em que o eleitor nem sabe em quem vai votar, porque não escolhe por quem votar nos circuitos eleitorais", sublinha.
Por outro lado, explica que o atual parlamento, que desde 2015 é de maioria opositora, foi vítima de atropelos. Diz que os deputados não são pagos e que não os deixam legislar.
"Quem assumiu, neste caso, não o legislar, mas improvisar com as leis, foi o Supremo Tribunal de Justiça, cuja direção também é improvisada", frisou.
Félix Miguel Rojas diz ainda que, "há uma minoria [de candidatos] que aproveitou o sequestro dos logótipos do partido, porque recebeu dinheiro para participar nesta chantagem que se chama eleições", e acusa o regime de ter tido "uma eterna estratégia de negação dos valores democráticos" dos "41 anos de democracia" da Venezuela.
Sublinha ainda que "há um povo que passa fome" e que "há preços especulativos em todo o país, no comércio", inclusive "no mais básico de consumo" com tudo "dolarizado" (preços afixados em dólares norte-americanos).
"Aqui, o único protagonista capaz de sair nesta situação continuará a ser o povo venezuelano", desabafou.
Carlos Milano, reformado, tem "a certeza de que irá votar" e até acredita "que muita gente também irá votar" e diz que as duas simulações de votos realizadas recentemente apontam para isso.
"Eles não disseram isso, mas sei que muitas pessoas foram", frisou.
Por outro lado, explicou que "a situação está muito difícil, a vida, e há que ir votar, é a única coisa que resta".
"Talvez as coisas melhorarem um pouco, politicamente, porque essa gente que está na Assembleia [Nacional], até este momento, o que fez foi um desastre total. Eu não faço parte de nenhum partido, mas parece-me que quem está [no parlamento] vai sair e vai ganhar o Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV, o partido do Governo", disse.
Quanto ao futuro do atual presidente do parlamento e líder opositor, Juan Guaidó, diz que "irá para a prisão", porque não será eleito e "estão à espera para lhes colocar as algemas".
A doméstica Jacquelin Aliciero está decidida a não votar, depois de participar em várias eleições.
"Não. Não irei votar. Considero que não é conveniente. Cada um tem a sua maneira de pensar e o direito de fazer o que quiser, não posso dizer aos outros o que fazer, mas eu não irei votar. Já fui votar várias vezes e desta vez não quero, já me sinto cansada e não estou para isso", disse.
Para o advogado Arístides Rodríguez, "é importante que o mundo saiba que estas eleições não despertam nenhum interesse na população, porque são parlamentares, e as pessoas sabem que o parlamento, na Venezuela, não resolve os problemas graves que a população enfrenta".
"Estamos numa crise humanitária tremenda, com problemas de água, eletricidade e alimentos. Há muita fome entre a população, a situação piorou nos últimos meses e não há resposta das lideranças para que esta situação seja resolvida", sublinha.
No seu entender, "isso tem um grande impacto na posição que as pessoas finalmente assumirão" sobre as eleições e por isso prevê "que não haverá uma grande participação" num país onde os problemas se agudizam, os preços aumentam diariamente e "está tudo 'dolarizado'" apesar de "o que o venezuelano ganha não chega para comprar pelo menos os alimentos da cesta básica".
"Eu votaria, se houvesse um bom candidato. Aqui, o que faz falta é uma eleição para Presidente da República, porque isso destrancaria o jogo e permitiria encaminhar o país a uma fase diferente, a um consenso para encontrar soluções para a crise", disse.
Por outro lado, explicou que os venezuelanos vão conseguir a maneira de mudar o país, "sempre pela via pacífica, a do voto" e acusa a oposição de em cinco anos no país, não ter solucionado a crise.