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Triagem

Pelo que não será de estranhar que a “praga grisalha” veja a sua prioridade ser relegada para um escalão inferior

Segundo a definição corrente na área da Saúde, triagem é o processo pelo qual se determina a prioridade do tratamento de pacientes com base na gravidade do seu estado. Situação dramática, frequente aquando da ocorrência de epidemias, desastres naturais ou guerras, em que a acumulação de doentes ou feridos é de tal ordem que obriga a definir prioridades, a ponto de os casos dados como perdidos ficarem para trás; ou seja, evitar que o custo de prolongar uma vida por algumas horas, ou mesmo dias, se reflita em falhas no tratamento dos que têm mais capacidade de sobrevivência. O historial dos hospitais militares de campanha é abundante na narração desses dramas.

É uma escolha difícil, que tem um lado científico, assente em probabilidades, e outro ético, o do princípio aceite da inviolabilidade da vida humana. Se esta questão se põe, por vezes, no dia-a-dia, a nível individual, imagine-se à escala de uma grande catástrofe ou epidemia.

Napoleão resolveu uma vez um problema desses, durante a campanha do Egipto, em 1799. Antes da retirada de Jaffa, ordenou o envenenamento dos soldados atingidos pela peste, de modo a não caírem vivos na mão dos turcos, que tinham então o mau hábito de torturar e matar os prisioneiros.

Durante a atual pandemia, tem sido aflorada, por diversas vezes, a hipótese de ter havido triagem radical em alguns hospitais, onde teriam sido deixados para trás os casos considerados perdidos. Na falta de conhecimento de casos concretos, deixemos isso para o campo do debate ético e científico.

Vem agora o plano de vacinação conta o COVID-19, e inevitavelmente têm de ser estabelecidas prioridades, que terão de combinar dois critérios essenciais: garantir os cuidados de saúde, privilegiando o pessoal ligado à saúde e defesa civil; e acudir consoante o grau de risco, dando prioridade aos mais frágeis.

E aqui levanta-se a definição da fragilidade: a social ou a individual.

A social prende-se com a preservação do “sal da terra”, os insubstituíveis, os indispensáveis, os incontornáveis. É certo que, por norma, têm acesso à vacina pelo poder económico e/ou político, mas há por aí uma tendência para fazer chegar a vacina a todos no menor espaço de tempo, o que implica escalonamento.

A fragilidade individual é a de todos nós, o comum dos cidadãos, mais sujeitos a regras.

Pelo que não será de estranhar que a “praga grisalha” veja a sua prioridade ser relegada para um escalão inferior.

Não porque o risco seja menor; existe até o sentimento de que será maior.

Mas porque as prioridades não seriam definidas pelo Ministério da Saúde, mas pelos Ministérios das Finanças e da Segurança Social, assessorados pelos seus braços armados (Caixa Geral de Aposentações e Caixa Nacional de Pensões).

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