Madeira

"Se não houver esse espaço, vai ser pior, as pessoas vão andar aí na rua muito mais sujas"

Sem-abrigo alerta para um conjunto de pessoas que precisa de ajuda e que não se revê nos que andam sujos e à porrada

None
Foto Arquivo

Banhado, vestido, ordeiro, em silêncio aguardava que as portas da Associação Protectora dos Pobres abrissem para a refeição matinal. Filipe é a imagem dos sem-abrigo que a maior parte das pessoas não vê, porque eles não andam na rua aos gritos, não se drogam, não vivem alcoolizados nem se envolvem em zaragatas. E é para estes e em nome destes que alerta para a necessidade da criação do novo espaço de acolhimento.

“É preciso diferenciar o sem-abrigo do sem-abrigo drogado”, separa. Os drogados e os alcoolizados são os que ficam pelas ruas e em alguns casos criam problemas. “Ali não há barulhos, não há nada”, exemplifica com a sede da Associação, na Rua do Frigorífico, mesmo no centro do Funchal. “É tudo controlado pelos seguranças”.

Na rua há apenas alguns meses, este homem recorda a quem subscreveu o abaixo-assinado e que quer inclusive que a Associação seja deslocada, que ‘Sopa dos Pobres’, como é popularmente conhecida, já ali está muito antes que muitos dos moradores e comerciantes que agora se queixam. “Isto aqui já existe há muito mais tempo do que estes negócios todos, portanto eles também têm de respeitar as coisas mais antigas da cidade. Sempre foi aqui a Sopa, não vão levar agora para outro lado”.

Sobre a construção por parte da Diocese do Funchal e Casa de Saúde São João de Deus de um novo dormitório no Recolhimento do Bom Jesus, apenas uns metros acima - proposta que motivou um abaixo-assinado de 300 cidadãos que estão contra, uma notícia em destaque na edição de hoje do DIÁRIO – Filipe lamenta. “Não deviam estar contra. Se isto é a zona dos sem-abrigo porque é que vão levar para mais longe? Para melhorar os sem-abrigo? Essas pessoas são contra os sem-abrigo, de certeza”.

Filipe está na rua há quatro meses. Uma situação de desemprego arrastou-o para ali e é com a Associação Protectora dos Pobres que conta nestes dias difíceis.

“Se é sem-abrigo, precisa desse espaço. Se não houver esse espaço, vai ser pior, as pessoas vão andar aí na rua muito mais sujas, com mau ambiente. Encostam-se a um negócio e vão prejudica-los também”, alerta. “Em vez de ajudarem, não. Estão a prejudicar mais os sem-abrigo”.

Filipe sabe que há uns que estragam a imagem do grupo. Diz que são os que andam na droga, que andam a roubar e que em muitos casos até têm casa, não a querem, preferindo as ruas que são mais amigas de quem consome. “O sem-abrigo não rouba. O sem-abrigo que anda a roubar, praticamente não se diz que é sem-abrigo, isso é drogado que passa por sem-abrigo.”

Filipe, de 49 anos, encontrou na Sopa do Cardoso uma casa. Come e dorme ali. Não tem dúvidas de que é um apoio muito importante. “Socorri-me ali porque tinha mesmo falta”. Conta que ficou sem trabalho e que embora tenha família, as relações não são as melhores. Além disso, preza a sua independência.

Na Associação, revela que tudo é controlado, que os que ali são acolhidos fazem as fichas e têm as coisas todas, como se fosse “uma casa normal”. E que quem está contra a criação do dormitório não pensa nestas pessoas. “Eles estão a pensar é nos outros, de outro aspecto”, finalizou.

Fechar Menu