“Não, não vai ficar tudo bem”
1. Disco: Em “Power Up”, os AC/DC não inventam a roda. Já o fizeram em “Back In Black”. O álbum abre com “Realize” e serve para que fiquemos logo a saber ao que vamos: o som poderoso da guitarra do Young, que sobrou, e a voz esgaçada de Brian Johnson. A caminho dos 50 anos de carreira e conseguir produzir um trabalho como este, como diz um amigo meu, “é do caraças”.
2. Livro: Em “M — Mussolini — O Filho do Século”, de Antonio Scurati, estamos perante uma biografia ficcionada do criador do fascismo. Neste primeiro volume seguimos a história que vai desde o final da 1.ª Grande Guerra até às eleições que consolidam a tomada de poder pelo Duce. Os pequenos capítulos são contextualizados com excertos de artigos de imprensa, cartas pessoais, actas de reuniões, telegramas, que resultam num impressionante trabalho histórico.
3. Na passada semana, este Diário organizou mais uma conferência “Pensar o Futuro”, onde lançava a interrogação: “Madeira, vai ficar tudo bem?”.
Depois de uma intervenção inicial do Secretário da Saúde, bastante chata onde, sobre o estado das coisas no seu sector, ficámos sem saber nada, o meu bom amigo André Barreto foi arrasador: “não, não vai ficar tudo bem”. Num registo pessoal, quase que intimista, foi com muita coragem que elencou o drama que é gerir, agora, uma unidade hoteleira. Voz densa, pausada, a perpassar emoção, enquanto descrevia as dificuldades que sente para levar o seu barco a bom porto. O drama da burocracia que desagua em poucos e insuficientes apoios que se anunciam, uns atrás dos outros.
Falou, e muito bem, o empresário, nos malfadados “minimis” cuja suspensão devia ter sido a primeira medida tomada pela Comissão Europeia.
Falou em “fundos perdidos” como meio de ajudar as empresas e, assim, salvar o emprego de milhares de madeirenses. Mas o “fundo perdido” é uma cenoura na ponta de uma vara, com muitos “ses” pelo meio. Eles são avales pessoais dos empresários, juros a 2, por vezes 3%, quando o dinheiro custa muito menos do que isso. São “fundos perdidos” que, na prática, não deixam de ser empréstimos que se vão ter de ser pagos. De uma maneira ou de outra.
A nossa economia precisa de uma vacina que, com eficácia, prepare as empresas para que possam recuperar estruturadamente. O que lhes tem sido proposto, são aspirinas e antibióticos de efeito duvidoso. Escrevi nestas colunas que estes apoios deviam ser divulgados: o que foi dado e a quem. Gostava mesmo de saber o que, dos Investe Ram, Apoiar Madeira, e outros que tais, chegou às mãos das nossas PME’s. Ouvindo André Barreto que é economista, ficam muitas dúvidas no ar sobre os benefícios que estes “comprimidos” possam ter.
Tudo isto a ser feito com recurso à banca, aos mesmos bancos que recorreram ao Estado para não irem à falência. Não sendo eu favorável a bancos do Estado, já que o temos, era bom que tivesse alguma pujança. Mas não, a CGD é só mais um que, não há muito tempo, foi capitalizado com 5 mil milhões de euros, que bem podiam agora ser aplicados na salvação das nossas empresas. E isto para nem falar da bendita TAP, que vai saltitando entre as mãos públicas e, depois, privadas e, novamente, públicas que lhe vão “sumir dentro” mais uns módicos 1,7 mil milhões de euros. Pelo menos.
Claro está que, aqui chegado, já anda por aí alguém a pensar: “pronto, lá está este idiota a defender o patronato”. Não, este idiota tem bem presente que se a empresa do André fechar, se inúmeras unidades hoteleiras deste nosso, até agora, cantinho do céu começarem a encerrar, o drama do desemprego vai descambar numa crise como não há memória.
Há mais sinais a ter em atenção:
A Câmara Municipal do Funchal dava conta que já, cerca de 180 espaços comerciais e de serviços, foram encerrando na cidade. 180 empresas que fecharam, mandando trabalhadores para o desemprego.
Tiros. Tiros no centro da nossa cidade, que resultam num morto e num ferido grave. Bem sei que podiam ter acontecido noutra altura qualquer, mas aconteceram agora. Numa altura em que a insegurança nos assusta e cria um sentido de impunidade naqueles que não partilham connosco os mesmos princípios de socialização. O centro da cidade, no eixo que vai do Largo Jaime Moniz até à Sé, ao qual se devem adicionar ruas e largos adjacentes está, progressivamente, a transformar-se num mercado de venda e consumo de drogas e álcool, com todos os problemas que isso acarreta no que diz respeito à segurança da propriedade privada e dos cidadãos.
E a pobreza. Estamos sentados à beira do círculo vicioso da pobreza: é pobre porque não tem trabalho e falta-lhe dinheiro; falta dinheiro porque não tem emprego e logo a capacidade de poupança e consequente acumulação de riqueza são nulas; há baixa capacidade de poupança porque os rendimentos são baixos ou inexistentes; há rendimentos baixos porque a produtividade é baixa; há baixa produtividade porque há falta de dinheiro; e voltamos ao princípio… O governo estuda e conclui que o problema está, então, na falta de dinheiro. E aparece o subsídio. Contudo, este é insuficiente para resolver a questão, porque está sustentado em impostos, que não estão apoiados em produção e, assim sendo, o próprio Estado é arrastado para o ciclo da pobreza. Enquanto reza a uma “bazuca” regida por um plano de um tal Costa Silva.
Não é preciso ser bruxo para adivinhar que o ciclo que aí vem será terrível: falências, desemprego, violência doméstica, divórcios, saúde mental, alcoolismo, drogas, suicídio, emigração, abandono, criminalidade, sem-abrigo, miséria, fome.
A pandemia e a má gestão, levaram, no imediato, a fechar a economia para conter a propagação da doença. Empresas, escolas, pessoas, tudo trancado. Estas decisões foram tomadas à custa dos mais novos, a quem a doença pouco afecta e poderiam ter continuado a trabalhar, e a favor dos maiores, que são muito mais vulneráveis. A economia parou. Por cá, encerrámos o aeroporto (até manifestações foram feitas) desligando, com isso, mais de 40% (directa e indirectamente) da actividade económica. Perseguimos e apontámos na rua quem nos visitava, como se fosse a imagem da peste. Deixámos que o medo se sobrepusesse à razão.
Que o resultado foi bom? Que não tivemos nenhum morto na primeira vaga? Impossível negá-lo. E o resto? Ficámos todos vivos (embora ainda não saibamos quantos partiram por a saúde se ter transformado em “só há COVID”) e preparados para poder morrer da cura.
4. Este estado de coisas vai aprofundar desigualdades pois a preocupação de salvar empregos é sempre travada pela maldita burocracia dos regulamentos. Temos madeirenses à beira da tragédia e continuamos preocupados com alíneas, artigos, vírgulas e pontos.
Que fique claro que me incluo, sem hesitação, nos que pensam que medidas como a suspensão do pagamento de TSU, bem como de uma série de taxas e taxinhas governamentais e autárquicas, assim como a baixa do IVA para o mínimo possível (menos 30% que no continente), são medidas que deviam ter sido tomadas logo em Março/Abril. “Fundos perdidos” deveriam ser mesmo fundos perdidos, e não perspectivas de o poderem ser, cheias de nunces, detalhes e tretas sem sentido. Era o mínimo.
Se isto serve para algo, é para que todos possam ver como somos parcos de recursos, de como o Sr. Governo não consegue dar conta do recado, que o seu poder e recursos são poucos e esgotados, apesar da carga fiscal que fomos suportando ao longo dos anos. Que o modelo económico em que vivemos não presta.
Olhamos para trás, para estes longos nove meses, e em vez de estarmos a ver uma luz ao fundo do túnel, continuamos a assistir a um persistente atirar de esterco para a ventoinha. Toda a gente sabe tudo e ninguém ouve ninguém.
No xadrez, há uma expressão que dá pelo nome de “zugzwang”. Define a situação em que alguém é obrigado a fazer uma jogada, fazendo com que a sua situação piore significativamente. Olhar para o que temos vivido, é ficar com a ideia de que este é um jogo onde os “zugzwang” se sucedem infinitamente.