Análise

O que nos dá cabo do juízo

Começámos a semana a saber que 51,2% dos madeirenses estão expostos a factores de risco no local de trabalho. Em princípio, a outra metade não padece dos efeitos da forte pressão para o cumprimento de prazos ou a sobrecarga de trabalho.

Adeptos ou não do hino “faz-me impressão trabalho”, uns e outros correm o risco de ficar de cabeça perdida com o amontoado de coisas que no tiram do sério.

O que nos dá cabo do juízo é:

Que a dimensão crítica da política gere amuos e fugas. Cabe a quem é eleito governar, construir, melhorar. Cabe aos eleitores fazer escolhas e decidir. Cabe aos jornalistas contar, interpretar, escrutinar. O resto logo se vê, como Marcelo Rebelo de Sousa alertou anteontem: “Há mais do que tempo para se ajuizar de actos e autores, para demarcar campos e para apurar e julgar responsáveis. Não faltarão eleições para isso. Este tempo ainda é outro: o tempo de convergir no possível, mesmo discordando”.

Que os prometidos apoios a fundo perdido às empresas continuem a ser miragem. A urgência com que são necessários dispensam burocracias e garantias pessoais, numa altura em que há ainda pela frente dois ordenados para pagar antes do ano atípico acabar.

Que as contas sobre os fundos de recuperação não sejam coincidentes. Já ouvimos de tudo, dos 3 mil milhões aos 1.800 milhões. Quem dá mais?

Que os governos sejam incapazes de abdicar do muito que nos sugam mensalmente e ponham a receita fiscal ao serviço de quem luta para não morrer.

Que o contencioso seja uma opção assumida pelos que sem isso nada teriam para dizer. Mais tolerância e capacidade negocial era muito mais eficaz mesmo que rendesse menos comunicados.

Que haja alguma ligeireza na forma como se apregoam, nalguns casos de forma requentada, os feitos governativos”. As injecções de 161 milhões de euros na economia regional, anunciada por Rui Barreto ou os 175 milhões na versão de Pedro Calado terão que ir claramente ao detector de mentiras.

Que à falta de argumentação, o contraditório seja exercido com recurso à ofensa gratuita. Paulo Cafôfo foi tratado por Rui Barreto como “um falhado” por comentar o aumento do desemprego. Um secretário regional que se preze deve ter nível e usar linguagem de acordo com o lugar que lhe foi dado em vez de imitar quem fazia do exercício dos cargos públicos palco para ajustes de contas brejeiros.

Que alguns queiram transformar escombros de enorme monta em pérolas que guardam na secção de perdidos e achados. Ter quase 20 mil desempregados quando ainda há mecanismos de curto prazo que evitam para já um drama com outras dimensões não só é assustador, como merecedor de intervenção cuidada.

Que a Saúde, com sistema mediatizado como sendo exemplar e robusto, seja mais lesta a dar tachos aos seus do que a consultar e a operar doentes. Temos uma secretaria, uma direcção, um instituto e um serviço, mas nem por isso estamos a salvo num ambiente hostil, em que até a água da chuva invade um bloco operatório e suspende cirurgias.

Que as empresas municipais tenham sido um logro, manifestamente encapotado enquanto as Câmaras injectaram milhões para que a coisa desse para alimentar a clientela.

Que alguns continuem a não usar máscara, apesar de todos os avisos, à espera que o vírus entre em cena e faça estragos em várias famílias.

Que haja uma tendência institucionalizada para a prevaricação, o que implica vigilância redobrada e escrutínio permanente.

Que alguns humanos olhem para a primeira página que acolhe mais dois lobos-marinhos e perguntem: O que é que isto interessa? Desertas com eles.

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