Crónicas

No último ponto da moda

Eu não fui a rapariga ideal, a menina cheia de talentos, organizada, que pensava no futuro e tinha um baú para arrumar o dote e o enxoval. E, aos 15 anos, arrastava os pés até a cozinha para lavar a loiça e aquilo durava a tarde toda, enquanto me distraía com as músicas da rádio e me refugiava na sala das visitas para ler os livros que me emprestavam.

A minha mãe gritava por mim e eu fazia-me esquecida, que era mais divertido viver as histórias dos outros do que a minha, ali, na curva onde, de meia em meia hora, um autocarro cortava o silêncio e a minha tia Alice esticava a cabeça para ver quem tinha descido na paragem. “Vem no último ponto da moda”, costumava dizer de todas as vizinhas, sobretudo das que usavam saias curtas e maquilhagem.

E tinha o costume de me comparar às que andavam no “último ponto”, o que não era justo. A minha mãe era forreta e não gastava muito em roupas e adornos de modo que não era bem responsável pelo que vestia. A três ou quatro t-shirts, os vestidos, casacos, as calças de ganga que repousavam à vontade dentro do guarda-fatos do meu quarto não eram uma escolha livre. Era o possível.

O possível entre o que se podia comprar, o que eu gostava e o que o me deixavam usar, mais a moda alternativa que ganhava terreno nos anos 80. A minha tia Alice não apreciava a moda unissexo, o cabelo selvagem, as sapatilhas no lugar dos sapatos e a cara lavada, mais a mania de ler às escondidas e não ter muito jeito para fazer conversa. “Esta pequena nunca tem nada que diga”, repetia muitas vezes e sempre por comparação a todas as outras que conhecia e, essas sim, eram faladoras, simpáticas, pessoas de quem se gostava.

Já eu era aquilo, gordinha, enfiada nas roupas em que cabia, de cara lavada e sem atributos que se pudesse ver. Nem tricô, nem crochê ou bordados, pouco dada às arrumações e limpezas, de ideias fixas e sem jeito para fazer conversa. Eu sofria muito, era um suplício estar no meio de estranhos, fossem novos ou velhos, da cidade ou mesmo dali, nunca me ocorria uma deixa airosa sem com isso parecer esquisita. A timidez atava-me a cabeça e os modos.

E era melhor ler os livros que me emprestavam do que ouvir a cada meia hora a história das vizinhas, que tinham sorte, talento, jeito para tudo e desciam do autocarro no último ponto. Eu sabia bem – e com muita clareza – de todos os meus limites. As vizinhas, quando esticavam a cabeça e viam-me a descer na paragem, não reparavam na moda, na beleza, penso que diziam coisas como “olha é a filha do mestre Gabriel”.

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