Crónicas

O mundo em Assis

Pouco mais de um mês após a publicação da encíclica “Fratelli Tutti”, Assis volta a estar — ontem, hoje e amanhã — no centro das atenções mundiais, com a realização de uma Conferência digital que liga 120 países sob o lema “A Economia de Francisco”: um evento internacional que tem como protagonistas jovens economistas e empreendedores de todo o mundo, transmitido por streaming no portal francescoeconomy.org.

Um movimento global foi convocado pelo Papa, na procura de respostas para uma Economia mais humana e ecológica. Numa carta dirigida especialmente aos jovens, em maio de 2019, o Papa convocou a pensar uma “economia diferente, que faz viver e não mata, inclui e não exclui, humaniza e não desumaniza, cuida da criação e não a devasta”. Jovens empresários, economistas e ativistas de todo o mundo foram convidados para um pacto (inter)geracional, que visa “dar uma alma à economia do amanhã, para que esta seja mais justa, inclusiva e sustentável”. E desafiava universidades e empresas a se tornarem “estaleiros de esperança”, para construir outras formas “de entender a economia e o progresso” e para “combater a cultura do descarte”, em prol de um “novo humanismo”.

Participantes de todas as latitudes se mobilizaram para o evento (inicialmente marcado para março, mas que a pandemia fez adiar). “Uma economia mais humana é urgente e possível”, refere o grupo português que se organizou em rede para preparar o encontro, nisso articulando destacadas escolas e associações de negócios. Com a coordenação de dez colaboradores internacionais, 2000 jovens trabalharam 12 eixos temáticos. Das inúmeras sessões de trabalho on line ao longo dos últimos meses, resultaram doze “aldeias temáticas”: trabalho e cuidado; gestão e dom; finanças e humanidade; agricultura e justiça; energia e pobreza; lucro e vocação; policies for happiness; CO2 da desigualdade; negócios e paz; Economia é mulher; empresas em transição; vida e estilos de vida — doze tópicos transversais e abrangentes para uma reunião magna na terra do “Poverello”, o que mostra a liderança de uma visão crente a congregar todos os homens de boa vontade para uma tarefa inadiável: re-construir a Casa Comum a partir de uma economia capaz de ligar a defesa do ambiente com a promoção da justiça, e a atenção aos deserdados com a salvaguarda do direito e da dignidade humana.

Certamente que não vai sair de Assis nenhum novo modelo ou receita gestionária, nem o objetivo era o de juntar uma série de gurus para a produção de um pronto-a-usar em matéria de economia social. O que é certo é que nesta reunião à escala do mundo, até pelo modo como foi preparada, ficarão mais visíveis e concretas as linhas de uma economia alternativa à ganância de grupos e nações, e ao capitalismo predador dos recursos planetários. A Economia de Francisco debatida em Assis quer ser uma ponte que liga reflexão e ação, abrindo perspetivas “políticas” para uma vida com mais justiça e humanidade: é a consolidação da visão verdadeiramente “revolucionária” da Fratelli Tutti, onde a construção da Casa Comum questiona a “economia de morte” e propõe uma revisão de conceitos e de práticas para que seja possível alcançar a sustentabilidade da vida na terra. Um vírus inesperado veio mostrar toda a ilusão das falsas seguranças em que assentámos esta “civilização”. Se nada for feito – lê-se na Fratelli Tutti — “o princípio ‘salve-se quem puder’ traduzir-se-á rapidamente no lema ‘todos contra todos’, e isso será pior que uma pandemia”.

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