Crónicas

Apontar ao alvo errado

A política portuguesa há muito que deixou de ser espaço que encontrasse alguma confiança da sociedade. Foi perdendo a sua credibilidade e a sua ideologia. Nos tempos que correm é muito complicado apontar ideias nitidificadas de cada um dos partidos. Porque os próprios políticos em si foram perdendo dimensão e sentido de Estado. Mesmo a grandeza que em tempos existiu, entre pessoas que viam o País com outra perspectiva ( ainda que por vezes não tomassem as decisões mais corretas ) foi corroída por aritméticas meramente eleitoralistas que transformaram o sistema português numa autêntica selva onde a única regra verosímil é a da conquista de lugares. Os meios justificam os fins. Tudo o resto é espuma do momento.

Não será por isso de admirar que a conceituação de princípios, o apego por padrões de conduta moral e ética e essa coisa de que tantos falam mas que poucos se podem orgulhar de exibir a que chamamos de valores tenham sido os primeiros a ser descartados. Porque é muito mais fácil singrar sem o seu peso.Fazem-se mais amigos, ganha-se mais dinheiro, em suma a vida fica menos complicada. E quem é que hoje em dia quer complicar ainda mais o dia a dia já de si tão extenuante e exigente? Só mesmo algum louco. Foram o desenvolvimento e a tão proclamada maturidade dos sistema político português que tornaram o “jogo” tão apetecível. Porta escancarada para a mediocridade, para os favores, a corrupção e os compadrios. Parece até pecado não lhe tocar, de tão à mão que está. Idiossincrasias que caracterizam um País calcificado, com um elevador social parado sempre no mesmo piso, onde proliferam dinastias familiares e em que o que define as oportunidades de cada um é o seu círculo de amigos e os seus contactos e que a aposta política é feita em função deles e do que eles também nos podem trazer. Sou mais à esquerda se o meu grupo é mais à esquerda e à direita igual.

Quem vota hoje, tem duas hipóteses. Ou vota em bandeiras e históricos familiares ou tenta votar nas pessoas que aparentemente lhes traduzem maior confiança ou um ar mais confiável. Tudo o resto está obsoleto porque as raízes que moldaram os partidos estão desatualizadas e ninguém consegue transmitir mensagens claras e actuais porque continuam agarrados ao passado. Têm medo de perder o seu eleitorado tradicional. Os partidos do costume habituaram-nos a defender tudo e o seu contrário, ora estão no poder ou na oposição. Os do centro democrático ( e os que já os acompanham há longos anos ) habituaram-se a essa confortável instalação do “ora vais tu ora vou eu” e deixaram de ter resposta para a população. Porque há muito que não lideram pelo exemplo. E não é certamente por não terem diminuído os seus ordenados em altura de pandemia que as pessoas se desiludiram. As pessoas desiludiram-se porque foram constantemente enganadas. Porque nos pedem para pagar impostos e alguns que lá estão são apanhados a fugir deles, pedem para não fazermos negócios ilícitos mas aparecem mil e uma histórias de abusos e de interesses obscuros, porque nos pedem para não irmos para a rua e ficarmos confinados para eles se resguardarem na constituição para continuar a sua movimentação política.

É esta desilusão e este definhar que leva à facilidade de adesão a novos movimentos políticos. São os que lá estão que dão gás a tantos que cada vez mais são capazes de tudo só para ver diferente, na esperança de que algo mude. Projectos políticos como o Bloco de Esquerda e mais recentemente o Chega só aparecem porque os partidos tradicionais deixaram de ter respostas para os problemas das pessoas. Não é por acaso que de um lado se fala tanto no apoio às minorias e no outro se apela aos que não têm voz. São os descontentes ou porque foram enviados para guetos e classificados em comunidades com oportunidades desiguais ou os que acham que trabalham para outros usufruírem, dos que pagam impostos para outros andarem a mamar ( é mesmo esse o termo ). Os que não votam porque acham que não vale a pena. Apontarmos o alvo a esses movimentos populistas sejam de esquerda ou de direita chamando-lhes fascistas, trotskistas ou comunistas é apontar para o alvo errado. Enquanto a política moderada não conseguir libertar-se da poltrona do politicamente correto ( fugindo constantemente à discussão na rua com quem tem os problemas, ouvindo-os e trabalhando para os resolver ) vai haver sempre espaço para quem traga essas mesmas respostas mesmo sendo populistas, sectárias e ilusórias. Se não for o André é o Manel. As pessoas não querem saber. E vir com a mania das superioridades intelectuais e morais nesta fase só prejudica. É bom que tenham consciência disso.

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