Relatório aponta João Paulo II como culpado por encobrimento de abusos sexuais
A investigação do Vaticano sobre os abusos sexuais do ex-cardeal norte-americano Theodore McCarrick aponta o antigo Papa João Paulo II como principal culpado
A investigação do Vaticano sobre os abusos sexuais do ex-cardeal norte-americano Theodore McCarrick aponta o antigo Papa João Paulo II como principal culpado do encobrimento dos crimes, mas a Santa Sé nega ter ignorado quaisquer denúncias.
Esta conclusão está incluída no relatório de 450 páginas e 'aponta o dedo' ao antigo Sumo Pontífice, que nomeou McCarrick como o arcebispo de Washington, em 2000, apesar de ter ordenado a realização de um inquérito que concluiu que o clérigo dormia habitualmente com seminaristas.
A investigação também explicita que João Paulo II acreditou na missiva enviada pelo ex-cardeal e na qual este negou todas as acusações: "Cometi erros e, às vezes, faltou-me prudência, mas, nos 70 anos da minha vida, nunca tive relações sexuais com qualquer pessoa, homem ou mulher, jovem ou velho, clérigo ou leigo."
Este relatório, citado pela Associated Press (AP) e pela France-Presse (AFP), exigiu dois anos de trabalho e a Santa Sé considerou, em particular, que vários bispos norte-americanos forneciam há muito informações "inexatas e incompletas" sobre a "má conduta" sexual de McCarrick.
Em causa está um escândalo de abusos sexuais que alegadamente foi abafado pela mais alta hierarquia da Igreja Católica, incluindo por três papas sucessivos.
À luz destes escândalos, o arcebispo polaco reformado Henryk Gulbinowicz foi hospitalizado na última semana e permanece inconsciente, de acordo com vários órgãos de comunicação social da Polónia.
O cardeal de 97 anos foi recentemente sancionado pelo Vaticano depois de ter sido acusado do abuso sexual de um seminarista e de encobrir um outro crime da mesma natureza.
Um documentário da televisão privada polaca TVN24, emitido na noite de segunda-feira, sugere que Stanislaw Dziwisz, um outro cardeal respeitado no país, também encobriu abusos sexuais de vários clérigos na Polónia e em outros países, incluindo casos de pedofilia perpetrados pelo padre mexicano Marcial Meciel Degollado.
O líder do episcopado católico da Polónia, o arcebispo Stanislaw Gadeki, assegurou hoje que "todas as dúvidas" apresentadas pelo documentário "Don Stanislao. A outra face do cardeal Dziwisz" vão ser "clarificadas pela comissão apropriada" da Santa Sé.
Em relação à carreira de McCarrick, o cardeal número dois do Vaticano, Pietro Parolin, justificou que nenhum procedimento de tomada de decisão da Igreja "está isenta de erros", porque isso resulta de "omissões", com graves consequências.
Os rumores sobre os convites do ex-cardeal norte-americano a jovens seminaristas e padres adultos para dividirem a cama consigo, divulgados na década de 1990, e a denúncia feita por um outro cardeal sobre tais abusos não terão impedido o influente McCarrick de ser nomeado arcebispo de Washington, no final de 2000, e a ser nomeado cardeal num processo sob a égide do então papa João Paulo II.
A investigação efetuada pelo Vaticano incluiu informações "retrospetivamente incompletas", levando a "subestimações", justificou agora Andrea Tornielli, diretor editorial e de comunicação da Santa Sé.
O talento de McCarrick para angariar fundos monetários para a Igreja por parte de ricos doadores norte-americanos, assim como o seu hábito de dar presentes, "nunca influenciou as decisões significativas feitas pela Santa Sé sobre ele", indicava o relatório.
Em 2005, surgiram acusações mais credíveis sobre relações sexuais de McCarrick com pessoas adultas. O novo Papa alemão Bento XVI pediu então ao arcebispo de Washington que se aposentasse no ano seguinte, com mais de 75 anos de idade. Na aparente ausência de vítimas menores, a Santa Sé optou por não efetuar qualquer julgamento.
A primeira denúncia por agressão sexual chegou em 2017 quando McCarrick já estava aposentado e foi deduzida por um homem que tinha 16 anos à data dos abusos alegadamente ocorridos em Nova Iorque, dos anos 70.
Uma investigação foi então iniciada, com a aprovação do atual papa Francisco, tendo Theodore McCarrick visto o seu título de cardeal retirado no verão de 2018, antes de ser destituído no início de 2019, uma sanção quase sem precedentes no historial da Igreja Católica.
No outono de 2018, o Papa Francisco prometeu fazer uma investigação completa sobre os atos praticados por McCarrick, que, durante a sua carreira religiosa, foi bispo de Nova Iorque, Metuchen e Newark (Nova Jersey).
Desde então, as associações de defesa das vítimas de abuso sexual por parte de padres não deixaram de exigir conclusões à hierarquia da Igreja Católica.
O relatório sobre a carreira do cardeal norte-americano chegou a motivar duras críticas do prelado ultraconservador italiano Carlo Maria Vigano, que pediu ao Papa Francisco que renunciasse em agosto de 2018, acusando-o de ter protegido Teodore McCarrick por muito tempo.
A investigação sobre o comportamento de McCarrick danifica a imagem da Igreja, ao indicar depoimentos de muitas pessoas que alegam ter mantido contacto físico com o prelado norte-americano, descrevendo "abusos e agressão sexual", atividades sexuais indesejadas" e outros contactos físicos íntimos.
Nos últimos dois anos, a Santa Sé colocou em prática uma série de novas medidas preventivas para prevenir e combater os escândalos de abusos sexuais na Igreja Católica, obrigando, por exemplo, os padres a denunciarem os seus superiores que pratiquem tais atos abusivos.