Artigos

Eterna luta pela dignidade

Assusta a dimensão da dor e sofrimento dos milhões de mulheres vítimas de mutilação genital feminina

Elas não podem ser um estorvo à economia familiar, pronto a descartar, ou então mercadoria a negociar, prometidas em casamentos infantis, independentemente do seu consentimento ou vontade; elas não podem ser preteridas na família, em relação aos irmãos no masculino, no acesso à educação e à valorização como ser humano; elas não podem ser vítimas de cruéis e desumanos rituais, atacadas na sua integridade física e psíquica, com a mutilação genital feminina. Mas ainda são. Em números gordos facilmente verificáveis junto da ONU, muitas meninas continuam vítimas invisíveis destas práticas de violência, inaceitáveis à luz dos princípios de respeito, justiça e dignidade a que todo o ser humano tem direito. Para convocar a atenção global para estas e outras situações atentatórias dos direitos humanos, a Assembleia Geral das Nações Unidas instituiu em 2011, o dia 11 de outubro, - resolução 66/170 - Dia Internacional da Rapariga. Suprimir os entraves que ainda se colocam às meninas no acesso a um desenvolvimento harmonioso, lutar contra a discriminação, o preconceito e estereótipos de género, que eternizam a pobreza no feminino, bem como cumprir os desígnios de todos os acordos internacionais que visam os direitos das mulheres e o respeito pela condição humana, é o imperativo desta efeméride.

Uma rápida consulta digital poderá dar uma ideia de práticas hoje criminalizadas à luz dos códigos penais de diversos países, mas que, sendo tradições com uma esmagadora carga cultural simbólica, a respetiva fiscalização escorrega por entre os dedos da reconhecida ineficácia das instituições, à mistura com a ignorância, a indiferença e a invisibilidade social, a que são votadas tantas populações migrantes, a braços com carências de integração de diversa ordem… Mudar a lei e a mentalidade não é simultâneo. É preciso não esquecer o papel que as práticas culturais, ainda que inaceitáveis à luz da modernidade e dos princípios universais representam em termos de coesão social, defesa de identidade, para mais quando se está em ambiente estranho e hostil, como é o caso de tantos migrantes e refugiados…

Assusta a dimensão da dor e sofrimento dos milhões de mulheres vítimas de mutilação genital feminina, e que visa, imagine-se, a pureza, a honra e o asseio das meninas! E que, segundo a ONU, continuará a ter candidatas, uma situação agravada em consequência da pandemia atual, por ter interrompido o trabalho de monitorização e educação no terreno, de tantas ONGs. Práticas que nos próximos 10 anos continuarão a acontecer, ao arrepio dos objetivos de desenvolvimento sustentável da agenda para o desenvolvimento 2030, significando o prolongar de ciclos de pobreza e de dominação da mulher, pelo corte nas oportunidades de educação, desenvolvimento e capacidade de autonomia no feminino.

Não se pense porém, que estas situações de inaceitável desigualdade da mulher se verificam apenas em remotos países, culturas ou religiões tribais ou étnicas da África, da Ásia, ou da América; com os movimento migratórios, as cada vez mais frequentes ondas de refugiados e a globalização, estas práticas espalharam-se pelas metrópoles cosmopolitas da rica Europa e da “great” América do Norte. Por cá, com ideários dignos da barbárie, travestidos do verniz democrático de propostas partidárias, ou então da universitária “liberdade científica académica”, há quem se lembre de outras mutilações da integridade das mulheres, entretanto bem chumbadas, ou adjetive a trágica violência doméstica de ato de “disciplina”, para melhor as dominar. O Dia Internacional da Rapariga é só mais um motivo para lutarmos contra isto. E não só no feminino!

Fechar Menu