Análise

Que não falte o pão a quem tem fome

Convém semear primeiro mesmo que não haja gente para colher

Mais do que uma crise de saúde pública, a pandemia continua a provocar um flagelo económico e social sem precedentes à escala mundial. Uma crise com efeitos graves na realidade em que vivemos, muito dependente do sector do turismo, um dos mais penalizados pela quebra da actividade, pela retoma tímida e até por algum bullying contra os visitantes que chegam à Região, estejam limpos ou tenham o vírus.

O bicho resiste e teme-se o pior, mas ainda há quem culpe os jornalistas pelo “medo instalado” e não perceba que neste processo não temos qualquer interferência e mérito. Serão os mensageiros os autores das declarações impensadas, das decisões geradoras de alarme, das medidas avulsas, dos números mal explicados, das conferências de imprensa exaustivas e das opções duvidosas? Não nos peçam para sermos simultaneamente aliados da saúde pública e vendedores de ilusões. Não temos tamanho ‘dom’. A nossa missão é outra. É contar com rigor, interpretar com honestidade e perguntar para melhor esclarecer, indiferentes às acusações de sensacionalismo e outras desprovidas de nexo, patrocinadas pelo negacionistas de serviço ou pelos ‘boys’ pagos pelo erário para servir a causa pública comentando o que aqui se escreve.

Neste dia atípico de Pão-por-Deus, mas sempre a apanhar castanhada, resta-nos apelar ao bom senso dos decisores regionais. Leiam as encíclicas que bem entenderem, discutam os interesses tribais quando quiserem, mas acima pratiquem o bem comum, tenham enorme sentido de justiça e gerem oportunidades.

O povo precisa bem mais do que palavras. Quando os especialistas avisam que em breve vamos sentir de perto o que nunca imaginamos, uma vez que ainda não há vacina, urge injectar esperança, proporcionar trabalho digno, lançar apoios a fundo perdido com critérios rigorosos e planos de recuperação com efeitos práticos.

Para que não falte o pão que sustenta a vida importa haver políticas de apoio inclusivas, que não discriminem negativamente e que à partida atendam as especificidades, mesmo que seja mais fácil generalizar e tratar por igual o que é diferente.

Para que não falte o pão a quem tem fome importa que quem tem poder não vacile e que quem foi eleito não atrapalhe. As atitudes firmes, as medidas suficientemente pensadas, a clareza na linguagem e a consistência da comunicação geradora de gestos altruístas são indispensáveis.

Para que não falte o pão a quem precisa é elementar estar permanentemente vigilante, em diálogo e pronto a responder, a esclarecer e a falar verdade. Se ninguém mentir, martelar ou ignorar pelo menos não morreremos devido à negligência.

Para que não falte o pão à Região é determinante que o turismo que tinha um peso de 26% no PIB e dava emprego a 20 mil pessoas seja olhado com carinho e atenção redobrada. O que o sector menos precisa nesta fase está de mão dada com entropias, forças de bloqueio, teimosias ou lutas lesivas dos propósitos do destino de ouro, de que é exemplo os miseráveis serviço mínimos que a República disponibiliza se a greve decretada pelos trabalhadores do SEF - agendada para todas as segundas-feiras do mês de Novembro, logo, quando chegam à ilha mais de 2 mil passageiros por dia vindos do Reino Unido - for uma realidade.

Para que não falte o pão teremos todos que fazer um esforço por compreender o que por vezes inexplicável. As autoridades madeirenses deram parecer negativo a que houvesse público no dérbi insular, disputado num estádio com capacidade para 10 mil almas. Nem mil, nem 100. Bastava fazer contas. Seria sempre menos gente por metro quadrado do que a multidão que vai à curva mais espectacular dos ralis, do que os crentes que ainda vão à igreja e do que os alunos que estão obrigados a ir às aulas em salas de dimensão reduzida.

Para que não falte o pão convém semear primeiro. Para colher e amassar logo se vê.

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