A elegância
Ser fino queria dizer muitas coisas, era um lugar onde todas as mulheres queriam chegar, mas não era fácil
A terra do cemitério era vermelha e, em redor da casa onde cresci, havia canaviais e bananeiras, anoneiras, abacateiros e não sei quantas mais árvores de frutas que só vingavam nas terras quentes e húmidas, mas a minha mãe, como todas as outras pessoas da mesma idade, não assumia o nosso exotismo que nos dava dias de sol até ao Natal.
Não sei bem de onde lhes vinha a teima, a negação do que estava à vista, a evidência do clima ameno, onde a chuva traz calor e o frio é um acontecimento que nos apanha de surpresa, dura três ou quatro dias, que é o tempo da neve antes de derreter na serra. A minha mãe, todas as mães dos anos 70 e 80 tinham uma versão diferente.
E era por isso que - embora se notasse mais em mim por ter 12 anos, 1,65 m de altura e corpo de mulher - as mães enchiam-nos de roupas de lã e pêlo de angorá, saias de xadrez escocês, sapatos feios de solas grossas e umas meias que nunca assentavam na cintura. E, sem qualquer noção de como isto nos arruinava a reputação no intervalo das aulas, ainda nos diziam que estávamos bem. “Fica tão fino”, lembro-me do orgulho no olhar, antes de me ver descer os degraus da entrada de dois a dois e em modos que, até eu percebia, tinham pouco dessa elegância a que aspirava. Para ela, mas sobretudo para mim, a filha grande e desajeitada que, manhã cedo, se enfiava a custo naquelas roupas ciente do calor, do desconforto e da vergonha que implicavam.
Ser fino queria dizer muitas coisas, era um lugar onde todas as mulheres queriam chegar, mas não era fácil. Era mais do que roupa, não se chegava só pela origem e obrigava a ter maneiras, um certo tom de voz e um aprumo na figura que não estava lá muito na moda nos anos 80, nem era fácil de manter quando o clima dos trópicos se abatia sobre nós.
Ao meio dia, na paragem do autocarro, transpirava-se o que pudesse existir de elegância, o que tivesse sobrevivido aos intervalos, a descer e a subir as escadas, a entrar e a sair das salas, que eu fazia depressa na esperança de ser transparente para as miúdas que eram mesmo populares, para os rapazes bonitos e para os que me faziam corar.
Lembro-me de correr para um lugar à janela no autocarro, para não dar muito na vista aquela coisa de mostrar o bilhete de identidade ao cobrador por causa do meu passe, que nunca lhes entrava na cabeça os meus 12 anos. Nunca desejei tanto crescer, somar anos atrás de anos como nessa altura em que fui uma crisálida. Não era adulta, nem criança e suspeitava de que também não era já a filha que a minha mãe idealizara.
Levava-lhe um palmo de altura, gostava de ver filmes complicados e ler os livros dos meus primos, tinha mau feitio e era mais tímida do que ela esperava e, visto a esta distância, faltava-me tudo para um dia ser a tal mulher elegante que a minha mãe queria e desejava. Eu era só a Lina Marta, a miúda gordinha do Laranjal.