Vacinados contra contas certas
A credibilidade, o maior bem de quem tem missões decisivas, tende a ser um logro
O PSD da máquina de calcular anunciou sexta-feira à noite que Miguel Albuquerque foi reeleito presidente do partido na Madeira com 87,3% de votos.
E explica: “Dos 2.839 militantes em condições de votar, 2.489 exerceram o seu direito de voto, ou seja, 87,6%, sendo que do total de votos apurados, 2.480 deram o sim à reeleição de Miguel Albuquerque”.
Com base nesta contabilidade, que dado o contexto de candidatura única não deverá ter sido martelada, Miguel Albuquerque obteve 99,7% dos votos expressos e não 87,3% e assim há alguém no PSD-M que para além de não saber fazer contas, não admite o erro pois, mesmo depois de alertado para o facto, assegurou que as percentagens de votos obtidos nas eleições internas sempre foram feitas com base nos que podiam votar. O que não é verdade. Bastava ir ao arquivo.
Quem é que então subtraiu 12,4 pontos percentuais ao novo líder numa votação em que foram apenas apurados cinco votos em branco e quatro votos nulos? Quem é que quis provocar uma queda, pelos vistos virtual, para desta fazer leituras políticas internas ou então induzir em erro os comentadores, pois nas directas anteriores, a 14 de Dezembro de 2018, Albuquerque foi reeleito, sendo também o único candidato, com 98,4% dos votos? E já repararam que se o PSD usasse esta fórmula de cálculo nas últimas Regionais teria apenas conquistado 21,8% dos votos e não os 39,4% que garantiram a magra vitória e obrigaram à aliança com o CDS?
O episódio é passível de ser considerado insignificante, mas é bem revelador da falta de rigor numa estrutura com uma notável história e património, muitas vezes beliscada por um amadorismo típico dos principiantes. Erros deste calibre num partido que gere os destinos da Região desde que a Autonomia foi consagrada e que até tem uma governante que se gaba de ter obtido 20 em Matemática são inadmissíveis.
Contas certas nunca foi o forte de alguns membros do PSD-M, como atestam as chapeladas internas denunciadas aquando da disputa Jardim/Albuquerque e outras grandes fraudes contabilísticas que levaram anos a desmontar, com particular destaque para a “dívida colossal” que nos obrigou a um asfixiante Plano de Ajustamento Económico e Financeiro. Quem não se lembra de ouvir no Parlamento madeirense que a dívida da Região não chegava a mil milhões de euros, seis vezes menos do que a factura que ainda pagamos, e do enxovalho debitado contra quem insistiu em discordar e pugnar pela verdade? E recentemente quantas versões nunca coincidentes já ouvimos sobre os milhões de euros que virão dos fundos europeus destinados atenuar os impactos lesivos da pandemia na débil economia regional? E que dizer das contradições e trapalhadas na contagem de vacinas contra a gripe em que os apelos à vacinação colidem com rupturas de stock, vagas adiadas para o próximo mês e produto esgotado, a par das manobras de branqueamento que tentam por to dos os meios esconder o que é evidente: mesmo que 9 mil idosos já tenham levado a injecção, há 80% à espera de oportunidade.
A oposição responsável não tem motivos para ficar a rir dos expedientes desastrosos, o que implica, por exemplo, maior e melhor assertividade, preparação e fundamentação de propostas legislativas. Uma boa medida deve ser consistente, logo, irrecusável. Não foi o que aconteceu com o contestado Programa de Apoio às Empresas, apresentado pelo PS na semana passada, com 65 milhões de euros de dotação e destinado a apoios a fundo perdido para manutenção de emprego e dirigido, sobretudo, para o sector do turismo. Se é menos ambicioso do que os que estão já em vigor e se padece de rigor técnico como admitido, respectivamente, pelos adversários políticos e proponentes, então há trabalho de casa por fazer antes da mediatização.
Não é só nas contas que a credibilidade é um logro. Mas por estas também se chega à triste conclusão que quem tem funções essenciais na vida colectiva nem sempre tem um pacto com a verdade.