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O que falta à saúde mental? A sociedade…

Outubro é o mês da saúde mental. Dia 10 marca todos os anos a comemoração simbólica desta dimensão significativa da saúde. As questões neuropsicológicas, ligadas a fatores bio-historico-socio-culturais, representam a base de um espectro que vai desde a perturbação – que nela inclui um significativo limiar de sofrimento – até ao florescimento humano.

É de facto um ramo extremamente complexo mas que, dados os avanços científicos e operacionais, sobretudo ao longo do último século, deixa espaço para um fosso perigoso, entre o que é a ação sustentada por profissionais competentes, com conhecimento e formação para uma prática baseada na evidência e o que se designa de ação por agentes do senso comum, em matéria de processos mentais e comportamentos. Face a esta realidade, temos um país que mantém uma postura face à saúde mental condizente a diretrizes de há mais de 50 anos atrás, em alguns contextos.

Por estes e outros fatores, urge a necessidade de, uma vez por todas, se assumir o que é evidente e não apenas, desculpabilizar pelo “Deus” económico, a inércia da ação política em matéria de promoção de saúde mental. Ora vejamos, quando os relatórios mundiais sobre saúde mental são uníssonos a afirmar que o investimento em políticas de daquela natureza, pode ascender a um retorno de treze euros por cada euro investido, com o que é que nos deparámos? Com um racio de 0.3 psicólogos para cada 5000 mil habitantes em Portugal. Consequências? Portugal é o país da União Europeia onde as pessoas mais psicofármacos consomem. O que quer isto dizer? Que as pessoas já recorrem aos serviços de saúde mental em fases avançadas de sofrimento. Muitas delas nem passam por cuidados de saúde primários, por um psicólogo e recebem apenas intervenção psicofarmacológica. Neste cenário os prejuízos humanos, laborais, escolares, sociais e comunitários representam milhares de euros por pessoa, aliado a um sofrimento humano e social inimagináveis. Não se intervem nas fases de sensibilização, de prevenção e de intervenção primárias. Não se promove a prevenção em saúde por ser “um custo acrescido” – Acredita-se – A evidência diz que “O barato sai caro”. Esta é aliás a reflexão feita recentemente pelo Conselho Nacional de Saúde, que é claro ao referir – “Mais terapia e menos comprimidos”.

No panorama Regional, a ação pública dos psicólogos está facilitada, pelo menos em termos de cuidados primários na saúde e na educação – importa referir. Mas não podemos ficar por aqui. Há pontos a limar. Importa entender que toda a capitalização financeira, em virtude da promoção da saúde mental, é uma realidade. Só intervenções que incluam abordagens fenomenologicamente abrangentes e sustentadas na compreensão da “objetiva subjetividade” humana podem promover a autonomia, a qualidade de vida, a saúde e a realização.

Importa, por isso, reforçar os diversos contextos de interação humana com psicólogos, os únicos profissionais com bases de conhecimento e de intervenção sólidas para lidar com os fenómenos mentais, comportamentais e psicossociais. Existem ainda muitos contextos a serem dotados destes profissionais na Região e no País. Para além das clássicas áreas da educação e da saúde, o mundo do trabalho carece de canais de ventilação e de desenvolvimento organizacional dos seus recursos humanos – A saúde ocupacional é um ponto crucial na prevenção e na promoção da produtividade, num trabalho sério, transversal a todas as hierarquia. A proteção cívil, com todo o peso que tem em termos de impacto traumático em profissionais do ramo e beneficiários. O mundo da própria economia, da finança para se compreender e agir em matéria de custo-efetividade das decisões. O desporto, a arte, as comunidades. Na política e nas decisões políticas. Onde existem pessoas.

Falta por isso à saúde mental uma sociedade que entenda, de uma vez por todas: 1) Que a medicação pode ser um meio auxiliar, mas nunca uma solução isolada e efetiva – essa solução passa por atuar na prevenção, incluindo a psicoterapia e o acompanhamento psicológico nos processos de desenvolvimento humano; 2) Que atos psicológicos são tidos por psicólogos orientados por limites deontológicos claros; 3) Que é preciso trabalhar para uma redução significativa da exposição ao estigma, a esteriótipos e a preconceitos quanto à saúde mental; 4) Que numa época de pandemia, que deixou visível o invisível, importa refletir que a psicologia identifica e facilita a realização humana em muitas realidades invisíveis aos leigos, mas bem reais e presentes, causadoras de sofrimento e de oportunidades de crescimento.

Para refletir, se hoje o dinheiro e as leis acabassem, o ser humano continuaria a existir e a reinventar-se. No dia em que o ser humano acabar, oxidarão os vinténs e desgastar-se-ão os papeis com as leis. E a política é feita de vontades, num esperado serviço ético à sociedade.

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